terça-feira, 6 de abril de 2010

O Rio de Janeiro continua lindo...


Amigos, confesso, com escrúpulo e vergonha, que não sei como iniciar a crônica de hoje. Ah, claro, antes de tudo preciso pedir desculpas. Afinal, ontem não fiz nenhuma postagem aqui. Os meus leitores, se é que os tenho, estão acostumados a uma postagem diária, e ontem não cumpri a promessa. Explico: fui impedido de fazê-lo, por forças da natureza, e pela incompetência secular de nossos governantes. Fiquei preso nas alagadas ruas do Rio de Janeiro, por inacreditáveis vinte e poucas horas, de modo que não pude exercer meu direito de escrever aqui. Finalmente, o faço agora.

Se eu contasse os detalhes de minhas últimas 24 horas com ares de dia de Jack Bauer, os leitores dificilmente acreditariam. Ah, querem que eu conte? Mesmo? Então lá vai o meu testemunho de como sobrevivi aos dias 5 e 6 de abril de 2010.

Cheguei à Rodoviária Novo Rio, vindo de Nova Friburgo, às 18:30, após uma tranquila viagem de duração normal. Foi ali que começou o pesadelo, ao verificar o tamanho da fila para pegar o táxi. Pesadelo que teve requintes de crueldade, como ver um cristalino exemplo da corrupção brasileira. Merece nota: um dos funcionários da empresa de táxi Novo Rio Coop conversava animadamente com uma simpática e bonita garota à nossa frente na fila. Papo vai, papo vem, e de repente a menina sai da fila, vai lá para a frente, e entra num táxi, para ir embora. Fico imaginando o que o tal Sílvio ganhou com essa ajuda à simpática moça. E me pergunto por que ele não ajudou também a mim, ou aos outros da fila.

Fila que simplesmente não andava, pelo simples fato de que os táxis não chegavam. A essa altura, já sabíamos que o Rio de Janeiro estava parado, vítima de um dilúvio de proporções bíblicas. Nessas horas, sentimos a falta de um Noé. Ele se foi há séculos, e não há outro para substituí-lo, com sua arca salvadora.

Após algumas horas na fila, finalmente chegou a nossa vez de pegar o táxi, rumo a Copacabana (será?). Entramos no táxi eu, o Ramón (meu irmão, vocês conhecem), e dois amigos (a Rosane e o Gabriel). Antes de ontem, eu sequer conhecia a Rosane e o Gabriel. Mas agora já são como amigos de infância. Os meus leitores entenderão por quê.

Veio a pergunta: como chegar da rodoviária a Copacabana? Os leitores familiarizados com o Rio de Janeiro logo darão as três melhores opções: Santa Bárbara-Laranjeiras, Perimetral-Aterro, ou Rebouças-Lagoa. Pelas notícias do rádio, as duas primeiras pareciam inviáveis (tudo alagado). Então, fomos para o túnel Rebouças, rumo à Lagoa Rodrigo de Freitas. Após uma pequena retenção no caminho até o túnel, o caminho ficou livre. Alguns pequenos bolsões de água, um apagão assustador durante metade do túnel, e estávamos nós do lado de cá da civilização.

Começa aqui a agir o meu personagem da semana: seu Jorge, o taxista. Tentamos contornar a Lagoa por um lado, mas a inundação não permite. Tentamos contornar a Lagoa pelo outro lado, e novamente as águas impedem. Quando surge um bolsão de água teoricamente transponível, seu Jorge o ataca, com garra inexcedível. Mas a água vence, e o carro atola. Quando a água começa a molhar nossos pés, no banco de trás, o desespero começa a bater. Merecíamos tamanho castigo? Mas dizia eu no começo do parágrafo que seu Jorge é o meu personagem da semana. Num esforço hercúleo, ele desce do carro, e o empurra sob a chuva torrencial. Milagre ou não, o carro finalmente para sobre uma ilha de asfalto, cercada de água por todos os lados. O relógio marcava mais de 2 da manhã. Era ali que passaríamos a noite, sem ter para onde correr. (ninguém estava disposto a nadar)

Quando amanhece, Gabriel, agora um amigo de infância, se despede. Ele parece ter um conhecido morando nas proximidades, e se dirige para lá. Cabe dizer que, talvez, Gabriel volte a ser personagem de minhas crônicas, um dia. Meu conterrâneo estava no Rio para treinar nos juvenis do Flamengo. Quem sabe um dia ele estará decidindo um clássico no Maracanã lotado?

Algumas horas depois, nós arranjaríamos também o nosso abrigo ali perto da Lagoa, na casa de uma prima querida, onde finalmente pudemos descansar, antes de chegar à doce Copacabana. Incríveis vinte e quatro horas após a saída de Nova Friburgo, alcançamos nosso destino.

Pensei em vários títulos para essa crônica (convenhamos, tive bastante tempo para pensar). O primeiro foi "As águas de março", mas já estamos em abril. Depois, pensei em "Rio de Abril", mas vi que alguém na imprensa já usou. "Este é o Rio Olímpico" era a sugestão seguinte, mas as óbvias críticas aos governos recentes são tão óbvias que eu nem precisei fazê-las.

Fico com "O Rio de Janeiro continua lindo...". Apenas porque tenho o defeito irremediável de ser um otimista incondicional. A população carioca viveu horas de terror, que evidenciaram o despreparo da cidade para lidar com calamidades. Mas a Cidade Maravilhosa tem solução. Preciso acreditar nisso, vocês também precisam.

E isso é tudo.

PC

13 comentários:

  1. Muito boa suas crônicas , parabéns !

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  2. E que o Gabriel decida o clássico com um gol contra!!!!

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  3. Quem sabe o Gabriel não se toca de que não está num bom time e se mude para um rival...
    Apesar de ser atleta daquele clube cujo nome não se pode pronunciar ele é gente fina!!!

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  4. Foi o caos, PC!!! (E não o ex-goleiro do Botafogo, Cao, lembra? Rs...)
    Agora, apesar de tudo, o metrô ainda foi um bom meio de transporte. Pra você ver! Rs...
    Sobre os 'culpados', você esqueceu de citar um (uns): o povo, que suja as ruas com garrafas pet, isopor, joga poltronas em canais (eu já vi várias no Trapicheiro, na Tijuca, onde moro). Claro, os governantes são culpados e muito, mas nós, o povo, temos grande parcela de culpa também. E isso ajuda nessas ocasiões. Nessa, chuva atípica, então...
    Mas o importante é que vc chegou inteiro e já retomou suas atividades. E o Rio não perdeu um grande cronista!
    Leandro

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  5. porra, deixou seu jorge empurrar o taxi sozinho?

    sacanagem.

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  6. "Rio das Águas Mil?"...

    Até parecia coisa asiática... Pesadelo...

    Diogo, o PC não deixou seu Jorge empurrar o taxi sozinho... Dentro do taxi estavam o PC e toda a sua quadrilha... (rs)

    Grande abraço!

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  7. " Diogo disse...
    porra, deixou seu jorge empurrar o taxi sozinho?

    sacanagem."

    huahuahuauhuahuahuhua

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  8. Como um dos personagens da crônica irei me manifestar: preciso esquecer este dia de hoje/ontem!

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  9. Obrigado a todos pelos comentários. Até mesmo ao Diogo! rsrsrs

    Rosane, esquecer é impossível...

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  10. Falar é fácil...quero ver agüentar ficar 7 horas em pé...

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  11. prova do lider eu fui o primeiro a desistir. que caaaos

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  12. PC... q sufoco, hein!? Que bom que vc tá bem!

    Não entendi isso aí... esse Gabriel vc conheceu na fila do taxi? No onibus vindo pro Rio?

    A Rosane vc já conhecia, né? Vc não abandonou a coitada no taxi dps q foi pra casa da prima, né?

    Mas aí... ainda não sei como o Rio continua lindo com esses governadores que só sabem roubar, esse povo que deixa a cidade imunda, com toda violencia... só sei que ele continua lindo =/

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  13. Aninha, eu não conhecia nem a Rosane nem o Gabriel. Conheci ambos na fila do táxi. O Ramón conhecia a Rosane. :)

    (a situação tava tão caótica que as pessoas foram conversando na fila para irem juntas aos destinos, por isso que o Gabriel veio falar com a gente)

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