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terça-feira, 10 de março de 2009

Recordar é viver - Fluminense 1, Bayern 0


Rio de Janeiro, 10 de junho de 1975.

Félix; Toninho, Silveira, Assis e Marco Antônio; Zé Mário e Kléber; Cafuringa, Paulo Cézar Caju, Rivellino e Mário Sérgio. Com essa fantástica linha, o Fluminense entrou em campo no Maracanã, para delírio dos 60.137 torcedores presentes. Disse 60.137, mas errei e já me corrijo: esse era o número registrado nas roletas. O amistoso organizado por Francisco Horta atraiu uma multidão soberba, muito maior que o público previsto. Dessa forma, a única solução foi abrir os portões. Havia, portanto, 100.000, ou talvez mais, testemunhas para o amistoso internacional.

Sim, amigos, foi um mero amistoso. Como pode um amistoso atrair tanta gente para o Estádio Mário Filho? Era a estreia de Paulo Cézar Caju, o ponta da seleção, que o Fluminense acabara de repatriar do Olympique de Marseille. Mas não foi somente isso que levou a multidão ao Maracanã. Foi, sobretudo, o adversário do Fluminense: die Bayern, o gigante clube de Munique, o maior clube da Alemanha e, na época, o maior time da Europa. "Esse cronista tricolor está exagerando", observam os idiotas da objetividade. Porém, os fatos me apoiam: em 17/05/1974, na cidade de Bruxelas, o Bayern de Munique havia conquistado a Europa, ao derrotar por 4 a 0 o Atlético de Madrid na final da Copa Européia (que hoje chamamos de Liga dos Campeões). E, em 28/05/1975, na cidade de Paris, o Bayern havia conquistado novamente a Europa, ao vencer o Leeds United por 2 a 0.

Sim, amigos, o oponente do Fluminense era o atual bicampeão europeu. (Die Bayern ainda conquistaria o tricampeonato em 1976, batendo por 1 a 0 o Saint Étienne, em Glasgow, no dia 12/05). Vejam a constelação que envergava o uniforme de Munique: Maier; Durnberger, Schwarzenbeck, Beckenbauer e Weiss; Roth, Tortensson e Rummenigge; Zobel, Müller e Kapellmann. Sabem por quê eu destaquei cinco nomes na escalação? Porque os cinco estavam no escrete alemão, que venceu a Copa do Mundo de 1974. Eram, portanto, além de bicampeões europeus, campeões mundiais. Sepp Maier era o melhor goleiro do mundo, Franz Beckenbauer era o melhor zagueiro do mundo, e Gerd Müller era o maior artilheiro da história das Copas do Mundo. Que timaço!

E como transcorreu a grandiosa batalha? Assim que entraram no gramado do Maior do Mundo, os times saudaram os torcedores e se cumprimentaram. O pontapé inicial revelou um desses jogos imortais. O Fluminense foi só pressão no começo, entusiasmando até mesmo quem não é pó-de-arroz. Aos sete minutos, Rivellino dá um "elástico" na entrada da área. O malicioso drible, inventado pelo próprio Riva, desnorteou toda a defesa alemã. Logo após, o craque da patada atômica deu um passe milimétrico para Kléber, que apareceu na cara do gol. Sepp Maier fechou o ângulo, e Kléber deslocou o goleiro. A bola, porém, não tinha como destino o gol. Acontece então o suave milagre: a pelota desvia na canela de Gerd Müller, e morre no fundo do gol. Gol contra do maior artilheiro da história das Copas. O placar do Maracanã anunciava, exaltando-se de felicidade: "Fluminense 1, Bayern 0". Era só o início da partida.

O jogo se seguiu assim: o Fluminense dava espetáculo, e o bicampeão europeu se defendia. Não foi só a grande partida do Tricolor: foi também o grande dia de Sepp Maier. O arqueiro alemão defendia tudo, até pensamento. A facilidade com que detinha os disparos brasileiros, sempre bem colocado, era de arrepiar. "Isto sim é que é goleiro", urravam as testemunhas da atuação épica, nas arquibancadas, gerais e cadeiras. Começa a segunda etapa, e o show de Maier continua, com defesas incríveis e seguras. Elas eram feitas com tamanha simplicidade, que irritavam os atacantes do Fluminense e deliciavam quem as assistia.

Os bicampeões europeus que estavam na linha apenas assistiam impotentes à exibição da Máquina Tricolor, comandada por Rivellino, Cafuringa e Mário Sérgio. Beckenbauer, Rummenigge, Müller, Kapellmann e os outros nada podiam fazer: era um show de bola dos astros de Laranjeiras. Apenas o arqueiro Maier conseguia deter o pó-de-arroz, com as espetaculares e milagrosas intervenções.

O placar magro não traduz o domínio colossal que o Fluminense exerceu durante os noventa minutos. O time que, duas semanas antes, conquistara o bicampeonato europeu foi atropelado pela Máquina Tricolor. Amigos, o Fluminense de 1975 não foi campeão brasileiro, não foi campeão da América, e não foi campeão intercontinental. Porém, a equipe não precisava de nenhum desses canecos. Eles eram pequenos e irrelevantes diante da magnitude daquele plantel. Era, simplesmente, o melhor time da face da Terra.

PC




Vídeo com os melhores momentos:


Ingresso de arquibancada do jogaço:

Observação: nesta partida, pela primeira vez na história do futebol brasileiro, um time colocou um patrocínio em seu uniforme. Nos calções e nas costas das camisas do Fluminense, estava estampado o logotipo do MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização). O MOBRAL era um projeto do governo brasileiro que propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos. O intuito do Fluminense foi o de arrecadar fundos para o programa do governo, que tinha sua manutenção ameaçada por falta de verba.

25 comentários:

  1. Agradecimentos a três sites que muito ajudaram na construção do meu relato:
    http://www.fluzao.info/
    http://www.flumania.com.br/
    http://valdirappel.blogspot.com/2008/03/sepp-mayer_05.html

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  2. Era fácil, nessa época, trazer nada mais nada menos que o maior time do mundo para jogar um amistoso no Maracanã?

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  3. Rafs,

    Será que é difícil fazer isso hoje? Eu acho que não. O que falta é vontade mesmo.

    Não seria interessante ter, todo início de ano, um torneio envolvendo os grandes do Rio e 4 convidados europeus, com o atrativo de jogar no mítico Maracanã?

    Repito: falta é vontade.

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  4. Sei não... acho que falta é grana mesmo... tanto que amistosos (entre clubes) agora têm acontecido nos países onde o que vale são os patrodólares...

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  5. Naquela época, não era fácil convencer o Bayern a viajar...

    Em 1974 e 1975, eles não quiseram disputar o Intercontinental (que na época era em 2 jogos, 1 cá e 1 lá).

    Nesse tricampeonato europeu, eles só jogaram o Intercontinental em 1976. Para azar do Cruzeiro.

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  6. PC, "jovem PC", seu relato poético está incompleto. Eu estava no meio desta multidão, lembro ter enchido o saco do meu cansado pai (o jogo foi à noite no meio da semana) que chegara do trabalho, para ir ao certame. Com todos os meus amigos tricolores no estádio vimos além de tudo o que você relatou, o Cafuringa dar um nó - digno de Garrinhca - na coluna do lateral alemão. O chucrute saiu do estádio direto para uma clínica de ortopedia. No mais foi como está escrito, foi o acontecimento esportivo do ano. Eu estava pensando ontem mesmo qual teria sido o jogo mais sublime do tricolor no Mario Filho, pensei neste mas lembrei do Flu 3x1 Boca. Foram os dois mais espetaculares jogos que já assisti em meus 39 de futebol.
    Grande abraço e mais uma vez, parabéns pelas letras.

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  7. Sem comentários a jogada do Riva que terminou no gol...
    O camisa 7 (Caju?) jogou só um pouquinho...
    Se tivéssemos uma diretoria decente poderíamos ter grandes times todos os anos.
    Concordo com o RAFS quanto à dificuldade financeira de trazer os gringos pra cá. Atualmente todos os grandes de lá fazem boa parte de seu caixa anual nessas excursões multimilionárias de pré-temporada. Acho que é possível, mas teríamos que apresentar um projeto muito bem estruturado para que aceitassem (hoje ninguém no futebol brasileiro é capaz disso). A pré-temporada de 2014 (ano da nossa copa) pode ser uma grande oportunidade...

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  8. Alguém tinha que mandar esse texto traduzido pro retardado daquele técnico da LDU pra ele saber o que é tradição...
    Pra quem não sabe, a anta afirmou que preferia pegar o Boca na final porque o Fluminense não tinha tradição.

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  9. e por falar em Bayern... 5x0 em Portugal, 7x1 em casa... massacre pra cima do Sporting

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  10. 5 a 0, 7 a 1?????
    Num sabe brincar, num brinca...

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  11. http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=42394915&tid=5311941192937694613&start=1

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  12. PC, meus parabéns pelo vídeo.

    Meu pai sempre comenta sobre esse jogo! foi legal ver o que ele me disse pela primeira vez!

    show do Fluzão!

    abraço!

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  13. Valeu, Xandoka!

    http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=28077&tid=5313743769223828694

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  14. http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=14794417&tid=5319455440479779969&start=1

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  15. E eu tive a honra de jogar na preliminar!... Artistas com a camisa tricolor 3 x 1 Artistas com a camisa branca?
    Para ver a foto do time dos artistas tricolores de camisa listrada, entre em: http://trintaonews.blogspot.com/
    Valeu! Pitti

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  16. Pitti, é uma honra receber sua visita aqui!

    Deve ter sido uma emoção única jogar a preliminar desse jogão!

    Abraços,
    PC

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  17. No orkut: http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=73334&tid=5804060221391997960

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  18. Texto publicado no Canelada: http://canelada.com.br/fluminense/jogos-historicos-3-fluminense-1-x-0-bayern-munchen/

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  19. Eu estava lá.
    Chorei de emoção ao ver o vídeo. Não sabia que existia este registro.
    Antes do jogo houve uma monumental exibição da Banda dos Fuzileiros Navais.
    Cafuringa entortou todos os alemães que encontrou pela frente.
    Sensacional!!!

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  20. Paulo Valiante,

    Obrigado por seu relato. Fico feliz que uma postagem minha tenha despertado tanta emoção em um leitor.

    E sim, Cafuringa jogou demais contra os alemães. :)

    Saudações Tricolores,
    PC

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  21. Poxa, que legal, dessa eu não sabia! Só agrega cada vez mais nessa incrível história que o Fluminense tem.

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  22. Eu estava lá. Relato muito fiel aos fatos, embora eu concorde com o amigo que lembrou a formidável atuação de nosso Garrincha de ébano. O folclórico Cafuringa enlouqueceu os alemães!

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  23. Cafuringa jogou muito mesmo nesse dia. Opinião unânime entre as testemunhas da batalha!

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  24. Eu tinha 19 anos. Fui sozinho para o Maracana.
    Jamais esquecerei o show do nossso Fluzao!
    O show do Cafuringa. 1x0 foi pouco.
    No primeiro tempo, tres marcavam o Cafuringa. No segundo tempo apenas um.
    O tecnico alemao declarou apos o jogo que era impossivel marca-lo, porem como não seria ele a fazer gol, não havia necessidade.

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