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segunda-feira, 25 de maio de 2009

O campo pequeno

Amigos, no último sábado, fui a Álvaro Chaves. Assisti ao segundo tempo de um jogo dos juniores, entre Fluminense e Bangu, que ocorreu no antigo Estádio das Laranjeiras, atual Estádio Presidente Manoel Schwartz. Não resisto à tentação de fazer a apologia do campo pequeno. Ele apresenta vantagens consideráveis: antes de mais nada, é lírico, aconchegante e cálido como um galinheiro. Um paralelo entre Laranjeiras e Maracanã nos ensinará muita coisa. No Maracanã, há entre nós e o jogo uma distância irredutível. Todas as nossas relações com a partida são modificadas. De fato: que espécie de élan, de glorioso espasmo, de furiosa adesão podemos ter, se tudo é tão vago, longínquo e utópico? Insisto, amigos: a distância desumaniza os fatos, retirando das criaturas muito do seu conteúdo poético e dramático. Já no campo pequeno, todos os caminhos estão abertos para a emoção direta e integral. Em Álvaro Chaves, tudo se torna mais próximo, íntimo, fraterno e tangível. No Mário Filho, a paisagem fica de fora, excluída, barrada. No Manoel Schwartz, nós sentimos a presença do morro, do céu e do horizonte. Os cheiros rompem, invadem e assaltam. No Maracanã, não há cor. Ou melhor: as cores perdem a sua identidade. Por exemplo: visto do Maior do Mundo, o verde do Corcovado nunca foi verde, nem aqui, nem na China - é, quando muito, um violeta suspeito, um violeta desonesto. Em Laranjeiras, o verde é taxativo, insofismável e frenético. O jogo entre os meninos de Fluminense e Bangu não passou de uma pelada. Mas valeu-nos a paisagem, com o céu por cima, céu tão cordial e sensível, no seu azul exasperado.

Por outro lado, nossa relação com o jogo e os jogadores torna-se mais densa, comovida e lírica. Ah, como são bons os jogos no campo pequeno, com a torcida ali pertinho, quase encostando nos craques que encharcam as camisas! Não há, entre nós e o campo, entre nós e o jogo, nenhum limite, nenhuma fronteira. Vivemos a partida de uma maneira ao mesmo tempo dilacerada e voluptuosa. Escrevi "pelada" acima, mas me corrijo: pelada coisa nenhuma! O jogo dos garotos tricolores e bangüenses, assistido ali de perto, cara a cara com os jogadores, comoveu a platéia como uma partida de Copa do Mundo! Tudo adquire uma dimensão insuspeitada e terrível! Um mero arremesso lateral produz um impacto histórico. Descobrem-se coisas do arco da velha. Por exemplo: um dos garotos não suava feito gente. Pendia-lhe do pescoço uma espécie de gosma, de visgo, de espuma elástica, como nos cavalos cansados. Nós sempre ouvimos falar em "suar a camisa". No Maracanã, a transpiração mais abundante é remota e platônica. Em Laranjeiras, é suor mesmo, grosso e irrefutável como óleo ou como apavorante espuma. Podemos perceber o esforço dos jogadores até pelo olfato. Amigos, eis outra superioridade do campo pequeno: o cheiro! O cheiro, que não existe no estádio colossal, confere ao futebol uma outra dimensão, uma outra grandeza, uma outra dramaticidade. É importante ressaltar também a brisa de Álvaro Chaves. Ela é deliciosa! Há poucos lugares no mundo em que eu me sinto tão bem quanto na nossa aristocrática sede. E aquela brisa tem papel importante nessa minha confortável sensação. Essa brisa trata de transportar o odor dos craques aos quatro cantos das Laranjeiras. E então o torcedor tem a certeza sublime de que não está sendo enganado. Percebe-se pelo olfato que não há marmelada: os jogadores estão realmente suando a camisa, aos borbotões.

E não é só. Essa nitidez, essa visibilidade, essa luz minuciosa de campo pequeno coloca a cara do jogador num violento e cínico primeiro plano. Nós temos dos craques a imagem retocada dos retratos. Mas no esporte o jogador substitui o rosto oficial pelo autêntico: é cara secreta e real, que enfim se liberta, se impõe, se contrai e grita. O futebol no campo pequeno é outro futebol, amigos, é outro futebol!

O segundo tempo iniciou-se empatado em 1 a 1, com o Fluminense atacando para o gol da rua Pinheiro Machado. Os visitantes abusados enfiaram o segundo gol logo no começo, mas os garotos tricolores foram bravos. Ferreira, nosso camisa 7, fez o gol olímpico, direto do escanteio! E Léo, nosso camisa 11, virou o jogo, chutando após arrancada feérica pelo flanco esquerdo. Eu disse que não havia sido uma pelada! Foi uma autêntica partida de Copa do Mundo, jogada no pequeno e sagrado gramado das Laranjeiras.

PC
(inspiração na crônica "Nero Jones", de Nelson Rodrigues, publicada na Manchete Esportiva de 24/12/1955)

4 comentários:

  1. Meu contato mais próximo com esse clima de campo pequeno foi em São Januário, na partida contra o Tigres. Na ocasião o Maicon, que acabava de ser substituído, (e acho que tinha feito gol), passou perto do corner, eu não vacilei e gritei "Valeeu Maicooon!!!". Ele ouviu e agradeceu. Aí foi a maior gritaria.

    Os campos pequenos podem não ter condições de sediar grandes festas, como as da Libertadores do ano passado, mas tem esse clima que os estádios maiores não têm.

    A brisa de Álvaro Chaves é realmente espetacular!
    Por mim o Fluminense podia mandar alguns jogos lá, já que a torcida não tá comparecendo como deveria ao Maraca...ia ser uma atração nos primeiros jogos!

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  2. Eu vi uns dois ou três jogos do Flu no Caio Martins. Um deles uma ANTOLÓGICA VIRADA pra cima do Flamengo num Rio São Paulo da vida.

    O famoso jogo que Renato Gaucho, ainda autando pelo Império do Mal, chamou Djalminha para bumbar meu boi no vestiário.

    E nos viramos com um a menos. Nosso maior jogador da época - o imortal Sérgio Manoel tinha sido expulso.

    41 do segundo tempo 2 a 0 pra eles.

    1x2 aos 41 e meio.
    2x2 aos 44 e algo.
    3x2 nos acréscimo.

    Gol da vitória do lateral (??????) Julio Cesar, que tinha o cabelo cortado reto no maior estilo negão do Bronx!

    Eu me lembro da galera pendurada no alambrado gritando cruza. Tá livre na ponta. Ladrão. Volta pro goleiro.

    Muito bom...bons tempos! rs

    ST,

    Renata

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  3. Campo nem tão pequeno, mas em que eu fiquei muito perto dos jogadores foi em Volta Redonda. Em um jogo que fui lá, inclusive mandei o Lino deixar a bola ir sozinha que ela ia mais certinha, ele foi lançar e a bola saiu ahUIAHUIhuaiHUIAhuia

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  4. A concepção de proximidade entre jogador-torcedor é bem evidente nos estádios da Inglaterra, cujas arquibancadas ficam a poucos metros do campo. A Copa de 2014 pode ser uma boa hora para a reconstrução dos nossos estádios.

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