O inacreditável regulamento da Série D

Amigos, outro dia escrevi sobre um jogo da Série D (Santa Cruz 2 x 2 Central), que levou uma multidão ao Arruda. Hoje, meu assunto volta a ser nossa sensacional e patética Quarta Divisão. O Bruno Vargas, que é pó-de-arroz como eu, adora acompanhar os certames menos qualificados do futebol nacional. 1999 deve ter sido um ano especial para ele: afinal, o nosso colossal Fluminense enfrentava os Anapolinas e Dom Pedros no fundo do poço da Terceirona. Pois bem, foi o Bruno que chamou a minha atenção para o regulamento da querida Série D. Amigos, o documento é espantoso! Trata-se de uma prova irrefutável da criatividade do povo brasileiro. Já imprimi a minha cópia para a posteridade. É uma relíquia, uma preciosidade!

Vamos começar a análise do dito cujo? A previsão era de quarenta equipes, mas, após muitas recusas de clubes classificados, a CBF conseguiu reunir apenas trinta e nove. Assim, a primeira fase ficou com nove grupos de quatro clubes e um grupo de três. Classificam-se os dois primeiros de cada chave. Há uma distorção evidente, que facilita a vida dos clubes do grupo menor, mas vamos deixar esse detalhe de lado.

Temos, pois, vinte clubes classificados à segunda etapa. Aqui, ocorre o mata-mata, em dez confrontos. Cabe uma crítica a esse sistema, que pode forçar o cruzamento de duas equipes relativamente fortes (por exemplo Santa Cruz e Treze), impedindo que uma delas prossiga. Nesse ponto, comecei a torcer o nariz de verdade para o regulamento. Mas nada é tão ruim que não possa piorar.

Na terceira fase, temos dez clubes, e o mata-mata continua. Pensei comigo mesmo: "então passam cinco clubes". Aqui, para o leitor ter mais chance de acreditar, vou transcrever as palavras exatas do regulamento:

"Capítulo IV, Art. 10:

c) 3ª Fase: os dez clubes classificados na 2ª fase, divididos em cinco grupos de dois clubes cada, jogam entre si em ida e volta dentro de cada grupo, classificando-se os clubes vencedores de cada grupo e mais os três clubes melhores classificados como segundos dentre os disputantes da 3ª fase."

É isso mesmo que você leu, caro leitor: classificam-se os cinco vencedores mais os três "melhores perdedores". Confesso que gargalhei escandalosamente quando li essa linha. Nas palavras do Bruno, "regulamento sensacional, inédito no mundo".

Imaginemos o seguinte cenário, totalmente realista: nos jogos de ida, ocorrem três vitórias e dois empates. Os três vencedores já estão matematicamente classificados, perceberam? Podem tomar uma goleada astronômica, um autêntico banho de Cleópatra, no jogo de volta que, mesmo assim, ficarão entre os oito qualificados. Nesse caso, o que deve acontecer? Provavelmente, haverá a escalação de reservas, poupando os titulares para a fase seguinte, que é a mais importante (pois classifica à Série C). E então, caberá aos três perdedores uma simples vitória sobre reservas, para também garantirem suas vagas. Cômico, patético, surreal. O seu time é eliminado e você tem que prestar atenção aos outros confrontos do mata-mata! O leitor pode pensar em outros cenários bizarros. Podem ocorrer, por exemplo, disputas de pênalti que não valem nada. Ou então um clube pode se classificar porque perdeu de 5, enquanto um rival perdeu de 6.

Na quarta e na quinta fases, há o mata-mata normal (quartas-de-final e semifinais), e então ocorre um quadrangular para definir o título.

Refeito das gargalhadas, estou à procura dos responsáveis por redigir e assinar o patético e ridículo documento. Quero os autógrafos na minha cópia!

PC

(com a colaboração de Bruno Vargas)

[se tiver coragem, clique aqui para ler a íntegra do regulamento espetacular]