O absurdo chamado Passaporte Tricolor

Amigos, hoje escreverei sobre o "Passaporte Tricolor", programa de sócio-torcedor criado pelo Fluminense Football Club no início de 2008. A idéia é muito boa: o torcedor paga uma mensalidade, e utiliza seu cartão para entrar em todos os jogos com mando do clube. Maravilha para o torcedor: ingresso garantido sem fila, sem precisar se deslocar até um ponto de venda, e possivelmente com uma vantagem financeira no fim das contas. Maravilha também para o clube: receita garantida no início do mês, menos confusão nas bilheterias, e possivelmente um aumento substancial no público dos jogos. À primeira vista, uma iniciativa inteligentíssima da administração do Fluminense.

Assim que o clube abriu a inscrição, este escriba aderiu ao plano. E não se arrependeu, a princípio. Nos doze meses de 2008, paguei religiosamente a mensalidade de 40 reais, e não tive nenhum problema para entrar no Maracanã. Considerava o preço justo, afinal havia em média 3 jogos em casa por mês, pelos quais eu pagaria 45 reais em condições normais (3 ingressos de meia-entrada, no valor de 15 reais). E a comodidade era fantástica: não precisei, por exemplo, encarar aquela vergonha de fila para a final da Libertadores (nem precisei pagar os salgados 80 reais pelo valioso ingresso).

A primeira decepção que eu tive com o programa foi quando recebi a notícia de que o clube limitara a venda a apenas 7 mil passaportes, ainda no primeiro semestre de 2008. Como assim? A torcida cada vez mais empolgada com a épica campanha da Libertadores, e o clube simplesmente ignorando possíveis novos sócios-torcedores? A justificativa era de que se tratava de um projeto experimental. Não engoli a desculpa, mas já tinha garantido o meu, e nada podia fazer para modificar o pensamento dos dirigentes. O fato é que os 7 mil passaportes se esgotaram rapidamente, como era previsto (mesmo com um aumento para 55 reais, para quem perdeu "a primeira leva"). E o clube realmente não aceitou novos cadastros.

No segundo semestre de 2008, após a perda da Libertadores, o cadastro foi reaberto, com o preço de 55 reais. Mas não houve muitos cadastros novos, uma vez que o clube tinha menos jogos no segundo semestre, já que só disputava o Brasileirão. E ainda estava muito mal no campeonato. Terminou o ano, e me ofereceram a renovação para 2009, com um reajuste para 65 reais (mais de 50%!!!). Já não valeria a pena financeiramente para mim, então cancelei o plano. Diga-se de passagem, sem dificuldade, em um rápido telefonema. Depois de um tempo, dado o fracasso do programa a esse preço, foi oferecida uma redução: agora a mensalidade é de 55 reais. Ainda acho caro, mas não foi isso que me fez desistir de vez do Passaporte Tricolor.

O que me motiva a escrever esse texto é uma informação perturbadora a que tive acesso há algumas semanas: trata-se do contrato entre o Fluminense Football Club e a Tática Sports, empresa terceirizada que oferece o serviço do Passaporte Tricolor. Aviso: se você possui o Passaporte Tricolor, provavelmente quererá cancelar assim que ler as próximas linhas.

Os números a seguir se referem ao contrato de 2009, mas imagino que em 2008 tenha sido parecido. Em janeiro, a Tática pagou R$ 100.000,00 "de luvas" ao Fluminense, pelo direito de prestar o serviço. Além desse valor, a Tática pagará R$ 4.000,00 por mês ao clube. Todo o restante do dinheiro arrecadado com o programa ficará com a Tática. É isso mesmo que você leu: o Fluminense receberá da Tática, em 2009, R$ 148.000,00, independentemente de quantos torcedores se associarem.

Vamos fazer uma continha básica? Só envolve operações básicas: somar, diminuir, multiplicar e dividir. Eu prometo que é simples. Cada sócio-torcedor paga 12 x R$ 55,00 = R$ 660,00 por ano ao Fluminense, ooops, à Tática Sports. A nossa média de público no Campeonato Brasileiro é de aproximadamente 15 mil pessoas, mas vamos supor que somente 500 assinaram o Passaporte Tricolor. Isso mesmo: só quinhentos. A Tática terá recebido, no final do ano, 500 x R$ 660,00, correto? Amigos, isso dá R$ 330.000,00. Compare com o valor que o Fluminense terá recebido da Tática: R$ 148.000,00. É isso mesmo: se a Tática conseguiu a proeza de vender QUINHENTOS passaportes, terá tido um lucro de R$ 182.000,00. Mais de 100% de lucro, isso se houver apenas 500 passaportes.

Se forem 5.000 passaportes (convenhamos, número mais próximo da realidade), a Tática terá recebido R$ 3.300.000,00, dos quais apenas R$ 148.000,00 terão sido repassados ao Fluminense. Quero saber quem foi a anta que assinou este contrato do lado do Fluminense. Ou talvez não seja tão anta assim, e esteja embolsando uma quantia assustadora, lesando o Fluminense Football Club.

Um último parágrafo perturbador, para encerrar um texto perturbador: a Tática Sports foi a empresa responsável pelo marketing da campanha de reeleição de Roberto Horcades, em 2007. A Tática Sports é a responsável pelo site oficial do Fluminense. A Tática Sports é a responsável pela Loja do Flu, a "loja oficial do Fluminense" na internet. Vou vomitar ali no banheiro e já volto.

PC

Fontes:

[1] Passaporte Tricolor não filtra inadimplentes (blog da Flusócio, 29/06/2009).

[2] Passaporte Tricolor - Por que parou? (blog da Flusócio, 14/07/2008).

[3] Antigo blog do Pavilhão Tricolor (e comentários no fórum).

[4] Site do Passaporte Tricolor.

[5] Alerta sobre o Passaporte Tricolor (blog da Flusócio, 05/05/2008).

PS: o telefone do Passaporte Tricolor é (21) 2286-6647.

1ª EDIÇÃO DO POST:

(18/08/2009, 02:30)

Bom, o assunto rendeu muito mais do que eu esperava. Me senti obrigado a esclarecer alguns pontos a posteriori. Vamos a eles:

1) Eu não tive acesso ao contrato em si. Mas acredito totalmente nas minhas fontes (que estão ali em cima, para quem quiser ver). E tem mais: se divulguei aqui algum número incorreto, desafio as partes envolvidas a mostrarem aqui ou na grande imprensa os valores verdadeiros. Tanto Fluminense Football Club quanto Tática Sports têm espaço aqui para esclarecimentos.

2) A informação é antiga. Está disponível na internet (na fonte [3]), desde fevereiro desse ano, para quem quisesse ler. O que me motivou a ressuscitar o assunto? Um papo com um grande amigo no Maracanã domingo, que ficou chocado ao saber "um terço da missa". Pude perceber que pouquíssimos sabiam. E resolvi escancarar a verdade.

3) Aproveito para disponibilizar também os números do contrato do site do Fluminense: as luvas são de R$ 50.000,00; e mais 12 parcelas de R$ 12.000,00. (totalizando R$ 194.000,00)

4) Um leitor me alertou para o fato de a empresa "Tática Sports" não existir. De fato, esse parece ser um nome-fantasia. O nome real seria "Novo Traço Comunicação", com sede na Rua Voluntários da Pátria, 301, sala 602, em Botafogo, telefone (21) 3547-7677, site http://www.novotraco.com/.

PC

2ª EDIÇÃO DO POST:

(18/08/2009, 12:30)

5) Um amigo bem informado me avisou que eu posso ter "trocado as bolas". O contrato de R$ 194.000,00 seria pelo Passaporte Tricolor; e o contrato de R$ 148.000,00 seria pelo site. Isso não muda quase nada: ainda é muito pouco. Para ambos os serviços. Ele ficou de apurar para mim.

6) Algum advogado pode me esclarecer uma dúvida? Sócios têm direito a ver os contratos assinados pelo clube?

PC