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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Recordar é viver - Aqueles quatro minutos...

(crônica sobre o Fla-Flu da Lagoa, um dos jogos mais marcantes da história do clássico, decisão do Campeonato Carioca de 1941, escrita para o PAVILHÃO TRICOLOR)

Rio de Janeiro, 24 de novembro de 1941.

Amigos, desde ontem o Fluminense é o bicampeão da cidade. E não foi um triunfo qualquer: a batalha de ontem teve todos os ingredientes de uma guerra de grandes proporções...



As roletas registraram 15.312 presentes no Estádio da Gávea. Eles foram as testemunhas oculares de uma das mais dramáticas partidas de futebol já realizadas. Cabe lembrar que o Fluminense tinha a vantagem do empate, ao passo que o anfitrião Flamengo precisava vencer a qualquer custo. O Tricolor tinha o desfalque de Spinelli. Em seu lugar, o técnico pó-de-arroz, o uruguaio Ondino Viera, escalou o já veterano Brant, de 35 anos. O substituto natural era Og Moreira, mas Ondino preferiu desafiar a lógica.



Os primeiros vinte minutos da peleja foram marcados por um intenso equilíbrio, até o primeiro cochilo da defesa rubro-negra. Carreiro se aproveitou, fez bela jogada, e passou para Pedro Amorim, que marcou o gol inaugural. O placar anunciava: Fluminense 1, Flamengo 0, em pleno Estádio da Gávea.



Como era natural, a equipe rubro-negra se desesperou. Cinco minutos após o gol do Fluminense, Biguá cortou a bola usando a mão, dentro da área. E fez pior: acusou o erro, levando as mãos à cabeça, em absoluto desespero. Porém, o árbitro José Ferreira Lemos, talvez pressionado pela massa rubro-negra que se apertava nas arquibancadas, preferiu marcar apenas a falta, fora da área. Os protestos tricolores foram em vão. E então Pedro Amorim cobrou a infração, lançando para a área. Afonsinho tentou a cabeçada por três vezes. No último toque, a pelota sobrou para Carreiro, que passou para Russo. Adolpho Milman não perdoou: o chute foi perfeito, indefensável até mesmo para Yustrich. Fluminense 2, Flamengo 0. E o empate ainda era tricolor. Para muitos, o placar era irreversível. Mas, quando Flamengo e Fluminense se encontram, tudo pode acontecer e cada minuto fica melhor do que o minuto que passou.



Ocorreu o que era esperado: o Fluminense recuou e o Flamengo lançou-se todo à frente. Aos 35, Russo fez falta em Volante. Jaime cobrou para a área, Batatais e Renganeschi ficaram indecisos, e Pirillo se aproveitou para descontar. Fluminense 2, Flamengo 1. E a massa rubro-negra voltou a se acender nas arquibancadas. Os jogadores tricolores mostravam um nervosismo além da conta, para quem ainda tinha uma boa vantagem. Na base dos chutões para a frente, a equipe de Ondino Viera conseguiu aguentar a pressão, levando o vantajoso resultado de 2 a 1 para o intervalo.



O Fluminense voltou melhor para o segundo tempo, buscando o ataque. Convenhamos, atacar é a melhor forma de se defender e Ondino sabia bem disso. Mas do outro lado havia os onze craques do Flamengo, tentando o empate de todas as maneiras. O jogo ganhou contornos de dramaticidade, crescendo tanto em qualidade quanto em emoção. O árbitro José Ferreira Lemos não conseguia controlar os ânimos exaltados dos jogadores. Certa hora, Pedro Amorim passou a Romeu Pelliciari e o craque lançou Russo. Adolpho Milman chocou-se com Domingos da Guia e Newton e a bola saiu pela linha de fundo. Yustrich quis bater o tiro de meta rapidamente, mas Carreiro bicou a pelota antes, para que Russo fosse atendido. O goleiro rubro-negro irritou-se, pegou Russo nos próprios braços e o carregou para fora do campo.



Aos 40 minutos, aconteceu o pior para as pretensões do Fluminense: Reuben invadiu a área e chutou cruzado, com violência. Batatais defendeu parcialmente, mas a bola sobrou para Pirillo empatar em 2 a 2. Pouco depois, o Fluminense dava novamente a saída de bola. E então começaram aqueles quatro minutos.



Ah, aqueles quatro minutos foram dramáticos, valeram por todo o jogo. Rubro-negros, tricolores e até mesmo os observadores absolutamente neutros não podiam se conter. Por exemplo, o Gastão Soares de Moura: que drama não viveu o presidente da Federação, adepto fanático do Fluminense, como todos sabem. A quem o observasse atentamente, o Gastão dava a impressão de estourar. Era possível sentir mesmo sua agonia na carne e na alma. O dirigente da entidade guanabarina não fumava mais: comia o charuto! De uma feita, tão nervoso estava, mirou o charuto e levou o relógio à boca!



Cenas como essa, presenciamos às centenas. Os tricolores chegaram a contar como certa a vitória, principalmente quando Russo marcou o segundo gol. Mas o correr do tempo alterou inteiramente a face das coisas. Falei em correr do tempo e vale dizer mais: cada segundo que se escoava deixava o Fluminense mais perto do título, e o Flamengo mais longe da glória.



Para os tricolores, parecia que o tempo não andava mais. Já os adeptos do Flamengo se desesperavam a cada defesa do heróico goleiro Batatais. Escrevi heróico e repito: heróico! Batatais mal conseguia se sustentar em pé, tamanha era a dor que sentia no braço, que havia sido pisoteado por Pirillo minutos antes (sua clavícula estava deslocada). A tensão tomou conta de vez da atmosfera tricolor quando Carreiro foi expulso por José Ferreira Lemos. Com um Batatais contundido, um Brant fisicamente esgotado e um homem a menos, o Fluminense dificilmente conseguiria manter o resultado. Então, os defensores tricolores utilizaram uma tática improvisada: isolar a pelota na Lagoa Rodrigo de Freitas. Cada bola isolada retardava o reinício da partida em preciosos segundos. O expediente foi utilizado exatamente três vezes, mas o árbitro José Ferreira Lemos não se deixou enganar e deu nove minutos de acréscimo. E aqueles quatro minutos então se transformaram em treze. Mas se perguntarem a uma testemunha tricolor, ela provavelmente dirá, revoltada: Treze? Aquilo durou muito mais que treze voltas do ponteiro no relógio!.



Romeu Pelliciari, o craque do quadro tricolor, foi de muita importância naqueles quatro, ou treze, minutos. Ele resolveu que ficaria com a posse da bola até o final da batalha. Ontem, mais do que nunca, Romeu foi um craque excepcional. Ele pegava a bola, fingia que ia e não ia, e às vezes ia mesmo. E não largava a pelota, prendendo-a, caminhando, correndo com ela, dando voltas, alongando caminhos, avançando e recuando. Os jogadores do Flamengo não sabiam mais o que fazer e no desespero começaram a cometer faltas em Romeu. Na cobrança, os tricolores passavam a bola novamente para Romeu, que continuava a protegâ-la com maestria, até sofrer nova falta.



Não possuísse o Tricolor um santo muito forte e a estas horas a taça estaria na Gávea. Mas veio o doce apito final do match e o Fluminense conquistou o bicampeonato. Os jogadores tricolores, notadamente os da defesa, foram unânimes ao afirmar que um campeonato quase não compensa o drama que eles viveram naqueles quatro minutos. Foram os minutos mais longos da minha vida, disse Batatais. Brant, o veterano escolhido para substituir Spinelli, comentou: Quando ouvimos o apito final, estávamos extenuados, mas a alegria pelo empate foi tão grande que o cansaço passou logo. Foi um jogo sensacional e o título veio com ele.



A conquista comprova a hegemonia do Fluminense Football Club no cenário brasileiro.

Campeão em 36, 37, 38, 40 e 41, o Tricolor não deixa dúvidas sobre qual é o melhor time de futebol do Brasil.

A taça de 1941 finalmente sorri, pois é mais uma na abarrotada sala de troféus da rua Álvaro Chaves.


PC

Outras fotos do jogo histórico:

O time do Fluminense, enfileirado antes do início da partida. Em primeiro plano, o lendário goleiro Algisto Lorenzato, o Batatais. Depois: Renganeschi, Pedro Amorim, Carreiro, Tim, Machado, Malazzo, Romeu Pelliciari, Russo, Brant, Afonsinho, e o técnico Ondino Viera.

O time do Flamengo, na tradicional foto de equipe.
Em pé: Volante, Biguá, Newton, Domingos da Guia, Yustrich e Jaime.
Agachados: Sá, Zizinho, Pirillo, Reuben e Vevé.

Ficha técnica: Flamengo 2 x 2 Fluminense.
Última rodada do Campeonato Carioca de 1941.
Data: 23/11/1941.
Local: Estádio da Gávea.
Flamengo: Yustrich; Domingos da Guia e Newton; Biguá, Volante e Jaime; Sá, Zizinho, Pirillo, Reuben e Vevé. Técnico: Flávio Costa.
Fluminense: Batatais; Renganeschi e Machado; Malazzo, Brant e Afonsinho; Pedro Amorim, Romeu, Russo, Tim e Carreiro. Técnico: Ondino Viera.
Gols: Pedro Amorim (20'), Russo (26') e Pirillo (36') no primeiro tempo; Pirillo (40') no segundo tempo.
Árbitro: José Ferreira Lemos, o "Juca da Praia".
Expulsão: Carreiro.
Público: 15.312 pagantes.
Renda: (réis) 115:943#300.

Agradecimentos:
- Luisinho, do Flumemória.
- Alexandre M. B. Berwanger.
- Marcelo Pitanga.

Fontes de pesquisa:
- Jornal "O Imparcial" de 25/11/1941.
- "Revista da Semana", de 29/11/1941.
- Livro "Fluminense Football Club: História, Conquistas e Glórias no Futebol", de Antonio Carlos Napoleão.
- Texto "Decisões entre Fluminense e Flamengo", de Alexandre Magno Barreto Berwanger.
- Acervo de fotos de Marcelo Pitanga.
- Livro "Os dez mais do Fluminense", de Roberto Sander.

6 comentários:

  1. Muito bom esse "Recordar é viver"!!!
    Certamente o melhor que já li.
    Deu pra sentir um pouco da atmosfera desse encontro histórico. E com a vitória de um dos melhores quadros, se não o melhor, da história Tricolor fica ainda melhor!

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  2. Comentários no site do Pavilhão Tricolor:

    1 Quinta, 01 Outubro 2009 09:54 Adib Murad

    O próximo será o Fla-Flu da redenção, vocês vão ver. Um urubu comido com farofa pra exorcizar o fantasma do rebaixamento. Saravá!

    2 Quinta, 01 Outubro 2009 11:03 Sergio Antonio Belchior da Mota

    Marcelo de Lima Henrique apitará o fra X Flu.

    seremos roubados como sempre somos quando esse urubu safado apita jogos contra o time do Império do mal.

    Precisamos fazer muito barulho contra essa safadeza!

    3 Quinta, 01 Outubro 2009 11:11 Carlos Clark

    Eu não acredito em coincidência. Sempre esse cara no Fla x Flu? Ou quando o Flamengo "precisa" ganhar? Alô Tenório! Alô Bittencourt!

    4 Sexta, 02 Outubro 2009 05:09 Paulo Cezar da Costa Martins Filho

    Também estou revoltado com a escalação desse torcedor do Flamengo travestido de juiz. Desanima...

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  3. Na minha opinião, esse time de 1941 foi o maior esquadrão tricolor de todos os tempos. Chamam o time de 1976 de Máquina. Isso foi porque não viram o time de 1941. Hoje se tem mais divulgação. Mais mídia. Para saber sobre esse fenomenal time, só buscando em enciclopédias antigas, registros históricos e conhecimento dos torcedores mais antigos. Entre 1936 e 1943, o Fluminense teve um dos times mais temidos do Brasil. Detalhe: o time contava com vários argentinos, dentre os quais: Malazzo, campeão argentino com o River Plate em 1936, e o fantástico Rongo, glória também do River e o maior artilheiro do Fluminense em média de gols. Em 1941, esse timaço estabeleceu um recorde: 106 gols no Campeonato Carioca. Foi nesse ano que o Flu estabeleceu também sua maior goleada contra o Vasco: 6 x 2. Contra o Bangu, que também tinha um grande time, ganhamos por 11 x 1. Salvo engano, neste jogo o Rongo marcou 6 gols! Quando for ao Rio, vou propor ao Peter uma seção histórica para resgatarmos esses grandes jogadores, esses grandes times. É triste ver o quanto é amador o clube no que diz respeito a marketing e memória de seus ex-jogadores. ST!

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  4. Marcel Cezar,

    Eu tendo a concordar com você, sobre esse Fluminense ser o melhor de todos os tempos.

    A hegemonia entre 1936 e 1941 não tem paralelo na história do futebol brasileiro.

    Uma verdadeira Máquina Tricolor!

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  5. É triste ver o quanto é amador o clube no que diz respeito a marketing e memória de seus ex-jogadores. [2]

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  6. Embora os depoimentos testemunhais, andaram dizendo que não havia um relato de época na imprensa sobre as famosas bolas na Lagoa, do histórico Fla-Flu de 1941.
    Pois aí, vai ( O Globo Esportivo,edição o line 171 de 1941, página 5 ):

    http://memoria.bn.br/DOCREADER/DOCREADER.ASPX?BIB=104710

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