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sábado, 6 de setembro de 2014

Você sabia que o embaixador norte-americano sequestrado no Brasil em 1969 foi solto na saída de um Fluminense x Cruzeiro no Maracanã?

O craque cruzeirense Dirceu Lopes marcou um golaço no Maracanã.

Neste domingo, 7 de setembro de 2014, Fluminense e Cruzeiro se enfrentarão no Maracanã, pela 19ª rodada do Campeonato Brasileiro, no confronto entre os dois últimos campeões nacionais. (Aproveito para convocar a torcida tricolor a ir ao jogo, apesar dos pesares. O Fluminense precisa de nós, pois está entrando em uma crise que promete ser daquelas. Não abandonemos nossa paixão nesta hora complicada, por mais que as últimas atuações do time e a péssima gestão de nossos dirigentes nos tenham desanimado. Ao Maraca, pessoal!)

A história que vou contar aqui aconteceu também em 7 de setembro, tendo como pano de fundo um jogo entre Fluminense e Cruzeiro no Maracanã. O ano era 1969, plena ditadura militar, e a luta armada ganhando corpo, orquestrando alguns sequestros de diplomatas estrangeiros, dentre outras ações. O sequestro mais famoso foi o do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, realizado em conjunto pelos grupos MR-8 e ALN, em 4 de setembro de 1969. (Algumas figuras famosas no cenário político atual participaram ativamente daquela ação - dentre elas, o jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira e o jornalista e o ex-ministro Franklin Martins.)

Apesar dos diversos erros estratégicos cometidos pelos sequestradores, que acabaram resultando no descobrimento do cativeiro (uma casa no alto da Rua Barão de Petrópolis, no Rio Comprido, perto do túnel da Rua Alice), a ação atingiu o objetivo programado: quinze presos políticos brasileiros foram libertados no México, dentre os quais o ex-deputado Vladimir Palmeira e o ex-ministro José Dirceu (que, nesta época, era, de fato, um preso político, diferentemente de hoje). A lista dos libertados tinha os seguintes nomes: Gregório Bezerra, antigo líder comunista; Vladimir Palmeira, líder estudantil; José Ibraim, líder operário de Osasco; João Leonardo da Silva Rocha, advogado paulista; Ivens Marchetti, arquiteto carioca; Flávio Tavares, jornalista; Ricardo Vilasboas Sá Rêgo, estudante carioca; Rolando Fratti, operário paulista; "Chuchu" (Mário Roberto Zanconato), estudante de medicina mineiro; Ricardo Zaratini, engenheiro, de Pernambuco e São Paulo; Onofre Pinto, ex-sargento do Exército, de São Paulo; Maria Augusta Carneiro, líder estudantil carioca; Argonauta Pacheco da Silva, ex-parlamentar paulista; Luís Travassos, líder estudantil; e José Dirceu de Oliveira e Silva, líder estudantil. E então ficou combinada a entrega de Charles Burke Elbrick, para a noite de domingo, na Tijuca.

É agora que chegamos ao Fluminense x Cruzeiro daquele 7 de setembro, no Maracanã, válido pela rodada inaugural do Campeonato Brasileiro de 1969. Antes do pontapé inicial, às 17 horas, aconteceram solenidades comemorativas pelo Dia da Independência. Alunas do Colégio Cardeal Leme formaram, no gramado, as siglas da Federação Carioca de Futebol (FCF), da Federação Mineira de Futebol (FMF) e da Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Depois, saltaram quatro paraquedistas da Divisão Aeroterrestre, portando as bandeiras do Fluminense, do Cruzeiro e da ADEG, e a bola do jogo. Depois, mais quatro paraquedistas, com as bandeiras do Brasil, da FCF, da FMF e da CBD. As alunas entregaram os pavilhões aos representantes das entidades, a bandeira brasileira ao presidente do Conselho Nacional de Desportos, e a bola do jogo ao árbitro José Favilli Neto. Depois, novas formações das alunas do Colégio Cardeal Leme: o desenho das bandeiras do Fluminense, do Cruzeiro e do Brasil, permanecendo até o final da execução do Hino Nacional, que foi feita pela Banda do Corpo de Bombeiros, com acompanhamento do Coral da Universidade Gama Filho. Terminada a execução do Hino, três mil bolas coloridas foram soltadas.

O Cruzeiro, que tinha um verdadeiro timaço e terminaria vice-campeão brasileiro, venceu o Fluminense sem dificuldades, por 3 a 0, com 2 gols de Tostão no primeiro tempo e 1 de Dirceu Lopes na etapa complementar. O gol de Dirceu Lopes foi uma pintura: o craque cruzeirense ameaçou finalizar, fazendo o goleiro tricolor Jorge Vitório cair, e só então chutou, por cobertura, com aquela displicência cheia de categoria, que só os gênios conseguem ter.

O Tricolor, que conquistara nos meses anteriores o Campeonato Carioca e a Taça Guanabara (na época, eram torneios distintos), não conseguiu encaixar seu bom jogo. No ano seguinte, com praticamente o mesmo time, o Fluminense viria a conquistar o Campeonato Brasileiro de maneira espetacular, superando o Palmeiras, o próprio Cruzeiro e o Atlético Mineiro no quadrangular decisivo.

Pela vitória, o Cruzeiro recebeu, ainda no gramado, o Troféu Independência do Brasil, instituído pela Federação Carioca de Futebol. Mas voltemos ao sequestro do embaixador...

Para devolver o diplomata à liberdade, os sequestradores foram até as redondezas do Maracanã naquela noite, por volta das 19 horas, logo após o apito final. Foi o jeito que encontraram para se dispersar sem serem capturados: se misturaram à multidão que deixava o estádio (mais de 30 mil pessoas estavam no Maracanã para aquele jogo). A estratégia dos guerrilheiros deu certo: agentes que monitoravam o resgate os perderam de vista rapidamente. O embaixador, depois de libertado, pegou um táxi nas imediações do Maracanã, indo direto para o Consulado dos Estados Unidos.

(Abro parêntese para fazer uma observação: o filme "O que é isso, companheiro?", de Bruno Barreto, conta o episódio de maneira equivocada, como se estivesse acontecendo um jogo do Flamengo no Maracanã - uma licença poética do diretor, torcedor assumido do rubro-negro da Gávea.)

O sequestro do diplomata norte-americano teve como consequência imediata a edição do Ato Institucional nº 14, que "dava ao Governo meios para combater o terrorismo". Os quinze guerrilheiros libertados no México em troca da vida do embaixador tiveram que ficar no exílio, pois o Governo Brasileiro os "baniu do território nacional".

Ficha Técnica
07/09/1969 - Fluminense 0 x 3 Cruzeiro - Maracanã (Rio de Janeiro)
Motivo: Campeonato Brasileiro de 1969.
Público: 30.243 pagantes.
Renda: NCr$ 95.335,25.
Árbitro: José Favilli Neto (SP).
Auxiliares: José Aldo Pereira (RJ) e Luiz Carlos Félix (SP).
Fluminense: Jorge Vitório; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Silveira e Cláudio Garcia (Lulinha); Cafuringa, Flávio, Samarone (Mickey) e Lula. Técnico: Telê Santana.
Cruzeiro: Raul Plassmann; Raul Fernandes, Mário Tito, Darci Menezes e Neco (Wanderley Lázaro); Wilson Piazza e Zé Carlos Bernardo; Palhinha (Evaldo Cruz), Dirceu Lopes, Tostão e Hilton Oliveira. Técnico: Gerson dos Santos.
Gols: Tostão, a 1' e aos 29' do 1º tempo; Dirceu Lopes, aos 20' do 2º tempo.

PCFilho

4 comentários:

  1. O pessoal dá lagoa gosta mesmo de reescrever a história.

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  2. Felizmente, a internet está aí para que a verdade sempre apareça. :)

    Já fizemos a verdade aparecer outras vezes, como quando revelamos ao mundo os Campeonatos Brasileiros anteriores a 1971, que os canalhas tentaram apagar da história, à moda Stalin.

    E vamos continuar...

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