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terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Afinal, qual era o time do coração de Garrincha?


A identificação de Mané Garrincha com o Botafogo é inquestionável. O genial ponteiro da Seleção Brasileira bicampeã mundial em 1958 e 1962 transformou-se num ícone alvinegro, num segundo escudo do clube de General Severiano. O Botafogo não seria o Botafogo que conhecemos e admiramos, se Garrincha não tivesse desfilado seu estrondoso talento com o glorioso manto do clube.

A simbiose entre Garrincha e Botafogo não nos impede perguntar, no entanto: ele sempre foi botafoguense? A cantora Elza Soares, com quem Garrincha foi casado por dezesseis anos, afirmava que ele torcia na verdade para o Flamengo. Será mesmo, ou Elza estaria puxando a sardinha para o seu próprio clube do coração? Garrincha chegou a atuar pelo Flamengo, entre 1968 e 1969, já em fim de carreira, sem o mesmo brilho.

Por outro lado, há quem afirme que Garrincha era mesmo torcedor do Vasco - paixão que teria sido o motivo para ele ter atuado pelo clube no famoso amistoso contra a Seleção de Cordeiro, em 1967. A relação, no entanto, foi mesmo efêmera, tendo durado somente aqueles noventa minutos.
Garrincha no dia em que foi vascaíno.

Afinal, qual era o time do coração de Garrincha? A resposta definitiva eu encontrei em um texto do jornalista Sandro Moreyra, publicado em sua coluna "Diga-me qual é o seu segundo club", no Diário da Noite, em 3 de dezembro de 1954 - quando Garrincha ainda tinha 21 anos de idade.

Diário da Noite, 03/12/1954, coluna de Sandro Moreyra.

Segue a transcrição do texto: "Diz o menino Garrincha que, antes de treinar em General Severiano, nunca se preocupara com o Botafogo. Seu club favorito era o Fluminense. Pelo tricolor discutia e brigava lá em Pau Grande. Tanto que, quando achou que dava para crack da capital, o primeiro club que procurou foi o de Zezé Moreira. Lá deu as caras, com sua chuteira embrulhada em jornal, muito mais confiante que nervoso. Mas ninguém fez fé nas suas pernas tortas e Garrincha nem chegou a treinar. Drama igual ele viveu no Vasco e no America. Não tinha pinta e não queriam perder tempo com um garoto, ainda mais todo empenado. A esperada chance ele foi ter no Botafogo, levado por Araty, amparado no pistolão de Julinho Azevedo. Dois treinos e estava no team de cima. Dois jogos e era cobra, ídolo, cartaz, tudo que um crack deseja ser. Daí ter esquecido o Fluminense, ou melhor, trocado o Fluminense pelo Botafogo. Este, que não era nada, virou o preferido. O outro caiu para segundo. É o seu segundo club, mas sem merecer mais uma defesa nos seus papos com a velha turma da Raiz da Serra".

Garrincha era, portanto, torcedor do Fluminense - tal como a imensa maioria dos cariocas e fluminenses de bom gosto, devo dizer. Justo o Fluminense, o único dos quatro grandes do Rio em que Garrincha nunca atuou!

Porém, vale recordar que o Fluminense proporcionou um momento para lá de especial a Garrincha. Foi o Tricolor que abriu as portas para seu filho Manoel Castilho tentar a sorte no futebol, e acabou possibilitando o encontro do menino com o pai, como contou a Manchete Esportiva em setembro de 1978. Numa dessas voltas da vida, acabou cabendo ao filho vestir a camisa do time do coração do pai.

Manchete Esportiva, 05/09/1978.

Eu nasci muito depois de Garrincha se aposentar, mas sinto uma saudade imensa de seus dribles que eu não vi. Assim, encerro meu texto citando Carlos Drummond de Andrade, que teve o privilégio de ver o craque e soube resumir bem: "Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho".

PCFilho

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