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domingo, 11 de agosto de 2024

Diário de um juiz ladrão


Acordei às sete da manhã. Esse hotel que a CBF reserva pra gente aqui no Rio é ruim demais. O quarto tem cheiro de mofo e a luz do sol invade quando amanhece, eu sempre acordo antes do que gostaria. 

Hoje vou apitar um clássico pelo Brasileirão: Vasco e Fluminense. Ai, caramba, não vai ser no Maracanã. Vou ter que ir lá pro Engenhão, longe pra caramba. Vou ter que pedir um Uber aqui e depois a CBF vai criar dificuldade para dar o reembolso, como sempre. Se bem que é jogo do Fluminense, então já sei o que preciso fazer para agradar à chefia. Quando eu apito no jeito, eles resolvem tudo na boa. "Você precisa me ajudar a te ajudar", já disse aquele policial do filme.

Droga, meu whey tá acabando. Será que tem uma farmácia aqui perto do hotel? Deve ter, hoje em dia tem uma farmácia a cada esquina. Preciso ingerir a proteína necessária, pra manter o shape. Hoje vou malhar mais leve, odeio apitar com os músculos doloridos. Mas preciso do meu whey.

Levantando meus pesos na academia do hotel, penso comigo mesmo: a CBF não tá pra brincadeira com o Fluminense. Quarta-feira escalou o Rafinha na Copa do Brasil, hoje me colocam no Brasileirão. Tudo bem que os caras ganharam quatro seguidas e precisam de um freio, mas será que ninguém vai desconfiar?

Só espero que o Nobre não me crie problema no VAR. Ele sabe qual é a instrução: pro Fluminense nada, pro adversário tudo. Hoje o Vasco ganha de um jeito ou de outro. E ai de quem tentar impedir.

Cheguei ao estádio e um torcedor me reconheceu assim que desci do Uber. "Ihhh, é você hoje? Não vai roubar o Fluminense de novo, hein, safado?". Só consigo rir. Mas já falei pra comissão de arbitragem que eles precisam ter mais cuidado nessas escalas, tá dando muito na cara…

Começa o jogo e eu já vou amarrando tudo pro Fluminense, como sempre. Sigo a receita que nos ensinou o mestre Edilson em 2005, "é nos pequenos lances que a gente consegue fazer a diferença".

Confusão na área, gol do Vasco. Os jogadores todos do Fluminense estão pedindo mão. O meu bandeirinha não correu pro meio, mas que se dane, vou marcar o gol. Pode não haver chance melhor. O Nobre do VAR não vai querer interferir.

Droga, ele tá aqui buzinando no meu ouvido que foi mão mesmo. Vou ter que anular o gol? Pergunto se ele tem certeza.  Os jogadores dos dois times me cercando e eu tento me afastar. Será que eles não têm medo dos meus músculos?

Vou ter que ver na telinha mesmo, meu VAR? Puta que pariu. Assim você me quebra. Lá vou eu pra beira do campo. A imagem mostra claramente os toques nas mãos dos dois atletas do Vasco. Vou ter que anular mesmo. Mas deixa eu ver mais uma vez. Penso no esporro que vou levar se eu não validar esse gol e o Vasco acabar não fazendo outro. Ah, quer saber? Essa imagem não tá tão clara, não. Vou alegar que não dá pra ver e que se foda. Vou dar o gol.

O time do Fluminense tá desequilibrado. Reclamam com veemência. Vou aproveitar pra amarelar todo mundo. Que delícia é esse poder que eu tenho, de influenciar os destinos do jogo e do campeonato. E que bom é apitar no Engenhão, com os torcedores a quilômetros de distância do campo, não conseguem nem arremessar nada em mim.

Tenho certeza que o compadre Oliveira vai aliviar pra mim na central do apito na TV. Vai dar um jeito de me defender. Quando é contra o Fluminense esses caras constroem um castelo de lógica invertida.

Volto pro hotel com a sensação do dever cumprido. Mas vou pedir pra me botarem num lugar melhor da próxima vez. Esse quarto xexelento não tem a menor condição. Mas tem que ter academia! Ai, sabia que tava esquecendo de alguma coisa. Não comprei o meu whey.

PCFilho

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Este ano, eu estou achando pior do que o normal. Estão acontecendo lances surreais, inacreditáveis.

      Aquele "pênalti" que marcaram do Calegari no Bruno Henrique no Fla-Flu foi uma das coisas mais escabrosas que eu já vi acontecer num campo de futebol. Essa validação do gol de mão do Vasco, idem...

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