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terça-feira, 4 de agosto de 2009

Recordar é viver - Vasco 2, América 1


Última rodada do Campeonato Carioca de 1950, Maracanã recém-inaugurado...

Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1951.

Pela primeira vez, o Maracanã era palco da decisão do Campeonato Carioca. Na jornada derradeira do certame da cidade, a tabela tratou de pôr frente a frente o líder Vasco e o vice-líder América.

O Gigante da Colina buscava o bi, já que levantara, invicto, o troféu de 1949. Após vencer todos os jogos do returno, havia muita confiança no lado cruzmaltino, uma vez que bastava o empate.

Já o clube de Campos Sales tentava conquistar seu sétimo campeonato. Como estava atrás na tabela, somente a vitória interessava para o América. Com toque de bola refinado, a equipe rubra só pecava pela falta de objetividade do seu ataque. Por causa disso, os jornais da época apelidaram a equipe de "tico-tico-no-fubá". Porém, havia muita confiança no título, principalmente por causa da vitória no turno contra o próprio Vasco, um 3 a 2 dentro de São Januário.

No meio de todo esse clima de decisão, víamos uma família dividida. Na meia-cancha vascaína, estava Eli do Amparo. No gol americano, estava o seu irmão, o arqueiro Osni do Amparo. Que situação! O que ninguém imaginava é que aquele não seria o maior conflito pessoal daquela finalíssima histórica.

Vamos à narração dos melhores momentos do primeiro tempo. Logo aos 4 minutos, Ademir, artilheiro do campeonato e ídolo máximo da história vascaína, abriu o placar: Vasco 1 a 0. Vinte minutos depois, os cruzmaltinos tiveram uma chance de ouro para ampliar: Ipojucan driblou toda a defesa do América, mas chutou fraquinho, para fácil defesa de Osni. Faltando cinco minutos para o intervalo, o americano Maneco surpreendeu a forte linha defensiva do Vasco, e em furiosa penetração empatou a peleja: 1 a 1. O apito decretando o fim da primeira etapa deixou os mais de cem mil presentes no Maracanã em estado de ansiedade extrema.

Durante o intervalo, aconteceu o dramático evento no vestiário do Vasco. Com a palavra, o treinador Flávio Costa, em entrevista concedida anos mais tarde:

"Ipojucan é meu amigo, sabe? Um jogador extraordinário, cheio de virtudes técnicas, 1,86m de altura, mole como um danado, mas um grande jogador. Um sujeito folgado, entende? Ainda que fosse um camarada respeitador. Ele gostava de tomar a sua cervejinha. Era um sujeito difícil, principalmente pelas companhias. O que aconteceu com ele, no campeonato de 50, na decisão Vasco e América, não foi nenhum ato de maldade minha e nem foi um ato de selvageria. Foi um ato de comandante. Aconteceu o seguinte:

O Ipojucan era um jogador que tinha determinados vícios de origem, de temperamento. Ele, numa jogada que fez na metade do primeiro tempo, mais ou menos, driblou a defesa toda do América, chegou na frente do Osni e jogou a bola nas mãos do Osni. Imediatamente ele meteu as mãos na cabeça e ficou parado. Eu, que já conhecia os gestos do Ipojucan, fiquei apavorado. Porque desse momento em diante, ele não fez mais nada. Desorientado, ele parou. A reação dele era parar. Quando ele chegou no vestiário, eu encarreguei o Dr. Amílcar Giffoni de conversar com ele. Eu não queria nem assustar o Ipojucan. De modo que eu chamei os outros jogadores, me reuni com eles, e falamos. O jogo estava 1 x 1. Quando acabou a minha preleção, na hora em que mandei os jogadores para o campo, eu ainda fiquei no vestiário, para tomar um café. Quando caminhei para o túnel, eu vi, no corredor, o Augusto e o Laerte [zagueiros do Vasco] puxando o Ipojucan. E o Ipojucan resistindo, não querendo entrar em campo. Eu entrei na conversa: um momento! Augusto, entra em campo. Laerte, entra em campo. Podem avisar o juiz que o Ipojucan vai entrar depois.

O Ipojucan virou e me disse: se o senhor deixar eu ir lá dentro, eu entro no campo. Eu tive a impressão que ele estava se sentindo mal e queria vomitar. Deixei ele ir. Chamei o Dr. Giffoni e pedi que ele fosse ver o Ipojucan. Voltei. Quando entrei no vestiário, o Ipojucan estava deitado no chão.

- Eu não vou entrar, não vou não. Eu vou morrer. Estou sentindo uma falta de ar - dizia o Ipojucan. Olhei para o Dr. Giffoni e pedi-lhe que examinasse o jogador. - Examina esse cara! - O Giffoni, para examinar ele, teve que deitar no chão. Escutou o coração dele no chão. - Ele não tem nada!

O que é que eu podia fazer, como comandante, numa hora daquelas, em que estava em jogo um título? Não podia substituir.

Eu levantei o Ipojucan no peito e dei-lhe duas bofetadas. Mas não foram bofetadas de agressão, não. Foram terapêuticas. E ele se apavorou e saiu correndo. Eu atrás dele. - Você vai entrar de qualquer maneira!

E ele entrou. Pudera: a única saída era aquela, que dava para o campo. Entrou. E não fez nada, a não ser dar um passe maravilhoso para o Ademir fazer o segundo gol.

Depois, saiu uma briga. Tinha o Godofredo [do América], que batia pra burro. Houve uma briga e o Godofredo e o Laerte foram expulsos. No meio daquela briga, o Ipojucan já estava dando a volta para cair fora. Eu vi e cerquei. Ele voltou para o campo e fazia assim com os braços [Flávio abre os braços].

Quando acabou o jogo, com o nosso time campeão, ele foi premiado com 10 contos, um dinheirão na época, e eu o abracei. Ele entendeu que eu tinha agido como um pai. Somos amigos e não tem nada."

O gol do título, conforme descrito por Flávio Costa, foi de Ademir, com passe de Ipojucan. Ocorreu aos 29 minutos do segundo tempo. A briga à qual o treinador vascaíno se referiu ocorreu aos 40 minutos da segunda etapa, e terminou com dois expulsos de cada lado.

Pouco depois, o árbitro Carlos Monteiro, o popular "Tijolo", encerrou a partida. Placar final: Vasco 2, América 1. Foi assim que, às vésperas do Carnaval de 1951, o Vasco se tornou o primeiro campeão carioca do Maracanã. A torcida cruzmaltina desceu as rampas do Maior do Mundo feliz da vida, cantando, no ritmo de um grande sucesso daquele carnaval:

"Oi zum-zum-zum zum-zum-zum-zum!
Vasco dois a um!
Ademir pegou a bola,
e desapareceu
Foi mais um campeonato,
que o Vasco venceu!"

PC

Ficha técnica - Vasco 2 x 1 América
Decisão do Campeonato Carioca de 1950
Data: 28/01/1951.
Local: Maracanã.
Vasco da Gama: Barbosa; Augusto e Laerte; Eli, Danilo e Jorge; Alfredo, Ademir, Ipojucan, Maneca e Dejair. Técnico: Flávio Costa.
América: Osni; Joel e Osmar; Rubens, Osvaldinho e Godofredo; Natalino, Maneco, Dimas, Ranulfo e Jorginho. Técnico: Délio Neves.
Árbitro: Carlos Monteiro, o "Tijolo".
Gols: Ademir (aos 4 do primeiro e aos 29 do segundo), e Maneco (aos 40 do primeiro).
Expulsões: Osmar e Godofredo (do América); Eli e Laerte (do Vasco).
Público pagante: 104.067.
Público presente: 121.765.
Renda: CR$ 1.577.014,00.

Observação do amigo Alexandre Magno Barreto Berwanger: o América liderava o campeonato disparado em 1950, mas quando entrou no ano de 1951, perdeu 3 jogos seguidos (suas únicas derrotas em todo o campeonato, 3 x 1 para o Bangu, 2 x 1 para o Botafogo e 2 x 1 para o Vasco), perdendo também o título.

Fontes de pesquisa:
[1] Jornal dos Sports, 10/08/1976, entrevista de Flávio Costa a Dalton Crispim.
[3] RSSSF.

3 comentários:

  1. PC, que esquema loko é esse que os times usaram? 2-3-5? o.O

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  2. Goten, o 2-3-5 foi o primeiro esquema tático do futebol. Até a década de 50, era bastante comum, no Brasil e no restante do mundo.

    No final da década de 50 é que começaram a surgir variações, como o 3-2-5 e o 4-2-4. Um pouco antes, havia o WM, que não significava Wellington Monteiro, mas sim a seguinte disposição tática:
    X X X
    X X
    X X
    X X X

    Se vc ligar os pontos, formam-se um W e um M.

    :)

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