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quarta-feira, 13 de agosto de 2008
A Joana d'Arc Tricolor
O protesto fúnebre da torcida organizada causou reações diversas. Alguns torcedores rivais zombaram do ato, chamando-o de ridículo e cômico. Os jornalistas em geral criticaram-no, apesar de ele ter sido pacífico. Os torcedores do Fluminense no Estádio Mário Filho se dividiram em três grupos: os próprios coveiros, vestidos de preto e dispostos a enterrar o time; os que apoiaram o ato, assistindo a ele passivamente; e os que discordaram, vaiando o protesto. Durante a partida, o primeiro grupo, dos coveiros, somente se manifestou com vaias ao próprio time, e aplausos irônicos ao gol do São Paulo. O último grupo entoou os tradicionais cantos de apoio ao time, durante os 90 minutos de disputa (mesmo após o gol do São Paulo, que inaugurou o placar).
No dia seguinte, tentei me lembrar se já havia ocorrido algo semelhante àquele protesto na história do futebol brasileiro. Ao vasculhar as crônicas de Nelson Rodrigues, encontrei. Em crônica publicada na Manchete Esportiva de 17/03/1956, intitulada "O Martírio", Nelson relata o episódio em que a torcida do Fluminense queimou uma bandeira do próprio clube, outro protesto que gerou indignação. Ele comparou a bandeira queimada a Joana d'Arc, mártir que também morreu queimada. Transcrevo abaixo o brilhante texto do profeta.
'Quando o Fluminense perdeu do Flamengo, por 6 x 1, a torcida tricolor não teve meias medidas: - queimou a bandeira do clube, em pleno Maracanã, numa cerimônia pública e horrenda. E, depois, não saciados, aqueles vândalos, aqueles Neros, aqueles Dráculas sapatearam em cima das cinzas! Lembro-me que o episódio provocou, na ocasião, indignações histéricas. Ninguém entendia que fizessem, com a bandeira Tricolor, naquela tarde, uma Noite de São Bartolomeu. E, no entanto, o incidente oferecia aspectos que escapavam à massa ululante. Eis a verdade: - com o fogaréu improvisado, o martírio invadia o futebol, incorporava-se à tradição do Fla-Flu, dramatizava o clássico, para sempre. Daqui a duzentos anos, quando se encontrarem o Flamengo e o Fluminense, todos hão de se lembrar daquela que, entre todas as bandeiras, foi queimada como uma Joana D’Arc. De resto, ensina a nossa experiência vital que nada se faz sem sofrimento. Até para se beber um copo d’agua é preciso um pouco, um mínimo de martírio.
Por outro lado, devemos considerar o aspecto afetivo do fato. E aqui pergunto: - por que um torcedor rasga a carteirinha do clube ou incendeia a sua bandeira? Respondo: - por causa de uma nítida, taxativa, incontível dor de cotovelo. Sem querer e sem saber, a torcida dava uma feérica demonstração de muitíssimo amor. E nunca, como naquele momento, o Fluminense mereceu tanto a atra e negra inveja dos seus co-irmãos. De fato, ele podia bater no peito e clamar, para qualquer um: "Eu fui queimado e tu, não!"
Findos os 6 x 1, consumado o sacrifício da bandeira, não tardaríamos a verificar que o martírio viera potencializar o time. Senão vejamos: até aquele momento, o quadro estava caindo aos pedaços. Ou a derrota deslavada ou a vitória vergonhosa. E, súbito, sentíamos que a equipe era outra. Ou antes: - era a mesma, porque lá continuavam os Waldo, os Lafaietes, os Bassu. Os resultados é que variavam. Vencemos o Vasco, com dez elementos; o Bonsucesso, de banho; o Flamengo, de 3 x 2; novamente o Vasco, por 2 x 0. Como explicar o inexplicável? A verdade é que, por trás das novas atuações, havia o estímulo novo e irresistível do martírio. Víamos coisas estarrecedoras, como seja: - Lafaiete inexpugnável ou, então, um jogador como Pinheiro, grande, maciço, compacto como uma catedral, a correr, em campo, qual um coelhinho de desenho animado.
Por certo, há outros fatores empurrando o Fluminense. Um deles é a mediocridade, que caracteriza o time. E sejamos justos: - existe nos homens e nos quadros medíocres uma força específica e terrível. Já os geniais são muito mais precários e perecíveis. O América foi genial contra o Flamengo e nunca mais. Explica-se: - o sublime não se repete, é bissexto, acontece uma vez na vida, outra na morte. O Flamengo tem o milagre da camisa. Mas o sobrenatural também pinga as suas manifestações. Ao passo que o Fluminense pode ser medíocre todos os dias, em todos os jogos, chova ou faça sol. Essa constância na mediocridade é que lhe dá uma grandeza inexcedível e talvez o faça campeão. Ele veio se arrastando pelo campeonato. Dir-se-ia que seu lema é o eterno e eficaz: - "devagar e sempre". Resta ainda observar que, no caso do Fluminense, trata-se de uma mediocridade acrescida de martírio.'
Em tempo 1: meu objetivo ao publicar esse texto é pedir respeito mútuo entre os integrantes da Torcida Young Flu e os torcedores que discordaram do protesto da organizada. Todos nós, cada um à sua forma, queremos o bem do Fluminense. Cada um com sua "feérica demonstração de amor" ao Fluminense! Em paz!
Em tempo 2: obrigado por tudo, Renato Gaúcho, eterno ídolo do Fluminense, como jogador e como treinador!
Em tempo 3: boa sorte, Cuca!
Em tempo 4: descanse em paz, Píndaro! A seleção Tricolor no céu ganhou um reforço de peso!
Saudações Tricolores!
PC
4 comentários:
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parece que estamos vivenciando as primeiras páginas de um sucessor do grande Nelson...
ResponderExcluirJá pensou se não houvesse o NR nos momentos ruins? Seria difícil aturar "a mediocridade, que caracteriza o time".
ResponderExcluirA imprensa reagiu bem ao protesto da torcida tricolor. O Flapress repetiu várias vezes que esse protesto do Flu deveria servir de exemplo para os lixos burro-negros.
Eu achei uma ótima idéia. Foi muito criativo! Fiquei imaginando você segurando o caixão do Renato hehe =P
E que em 2009 seja reescrita a página negra da história do Fluminense na série B!
rafs: sucessor de Nelson Rodrigues? Menos, menos!
ResponderExcluirminoru: Série B nunca mais! Eu hein!
Vai sonhando Minoru...
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