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domingo, 22 de fevereiro de 2009

A invenção do olé

Amigos, na quarta-feira de cinzas acontecerá o primeiro grande jogo do ano no futebol brasileiro. Fluminense e Botafogo jogarão, no mítico estádio do Maracanã, por uma vaga na final da Taça Guanabara, contra o Resende. Até lá, escreverei sobre episódios da história desses dois grandes clubes, possivelmente os dois com mais tradição no futebol tupiniquim.

Em janeiro, no post "A invenção do fair play", contei a fascinante história de como o alvinegro Garrincha e o tricolor Altair inventaram o jogo limpo, em um clássico vovô. Hoje, escrevo sobre outro episódio de Garrincha. Um grande amigo costuma dizer que "Garrincha vivia em outra dimensão". Eu corrijo: o Mané vive em outra dimensão, pois Garrincha é eterno. A história de hoje ocorreu em fevereiro de 1958, na Cidade do México. O melhor Botafogo de todos os tempos excursionava por lá, e no dia 20 encarou o poderoso River Plate, que era a base da seleção argentina.

No histórico jogo, lendários craques do passado desfilaram seus talentos: Didi, Nilton Santos e Garrincha pelo Botafogo; Carrizo, Nestor Rossi, Labruna e Vairo pelo River Plate. O time argentino recebeu um cachê muito maior que o brasileiro, mas a peleja foi muito disputada. O placar não nos deixa mentir: 1 x 1. "Um empate insosso em um jogo amistoso sem importância", diriam os idiotas da objetividade. Acontece, amigos, que os idiotas estão redondamente enganados. Este Botafogo x River Plate mudou a história do futebol mundial. Meio século nos separa do histórico momento, de modo que certamente ainda há testemunhas mexicanas vivas. Se perguntarmos a uma delas qual foi o placar do jogo, ela dificilmente se lembrará. Porém, ela nos dirá, mordida de nostalgia: "a peleja consistiu em um baile! Um baile de Garrincha em Vairo!".

Ainda no início do jogo, o ponta alvinegro começou seu espetáculo individual. O joão da vez foi o lateral-esquerdo argentino Vairo. A platéia do Estádio Universitário viu, naquela briga desigual, um paralelo com as touradas espanholas. Os mexicanos viram em Vairo um touro desesperado, e em Garrincha o toureiro dono da situação. Foram dezenas - talvez centenas - de dribles humilhantes. Sim, amigos: humilhantes. O que Garrincha fazia com os joões era humilhante, era pior do que xingar a mãe. A cada drible, os mexicanos urravam "olé", como nas touradas.

Com suas gingas inigualáveis, o Mané entortou diversas vezes o lateral argentino. Ele se esborrachou tantas vezes no chão, que o seu uniforme ficou completamente sujo. A humilhação foi tamanha que o treinador do River Plate substituiu Vairo. Este ficou feliz com a substituição. Caminhou rindo até o banco de reservas, e atestou: "Não há nada a fazer. É impossível!".

Sem saber, aqueles milhares de torcedores mexicanos estavam modificando para sempre o modo de torcer nos estádios de futebol. Cada "olé" que gritamos no Maracanã hoje é na verdade um eco daqueles primeiros e históricos "olés".

Termino meu relato dando créditos ao brilhante Ruy Castro, autor da biografia do Mané Garrincha ("Estrela Solitária, um brasileiro chamado Garrincha"). Foi nas páginas desse livro fascinante que eu busquei os detalhes da fantástica história que acabo de contar.

PC

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