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sábado, 7 de julho de 2012

E as multidões despertaram!


Um dos que vestem vermelho e preto chuta de fora da área, e instantaneamente o Maracanã inteiro silencia. Enquanto a bola voa em direção à meta defendida pelo arqueiro tricolor, uma tensão irresistível toma conta do ar. Lá e cá, os olhos esbugalhados, as bocas abertas, os corações palpitando. O goleiro do Fluminense não vai alcançar... não alcançou. A rede, aquele lindo véu que pende do travessão tão graciosamente, balança. O silêncio sepulcral ainda persiste, por mais um segundo. E então vem, lá do outro lado, o urro colossal. É gol do Flamengo.

Eis uma das sensações mais espetaculares que o Maracanã pode proporcionar ao torcedor: um gol do rival. É como levar um soco na cara (às vezes dói até mais). É como acordar de um sonho bom ouvindo aquele diabólico despertador. É como levar um tombaço na escada, com seu vizinho babaca olhando e gargalhando. É tudo isso junto e muito mais. (Em outros estádios, o efeito também existe, claro, mas no Mario Filho é - ou era, vai saber - bastante amplificado.)

O único consolo durante a comemoração do rival é saber que, quando o Fluminense empatar - porque ele vai empatar, claro - eles, lá no outro lado, viverão a mesmíssima sensação. E quando o Tricolor empata e depois vira, gritamos o mais alto que conseguimos - eles merecem o mesmo tratamento que nos deram, afinal.

O Fla-Flu completa um século. Tudo começou naquela tarde de 7 de julho de 1912, no campo de Laranjeiras, que nem era um estádio ainda. Enquanto o Fluminense era o campeão invicto, o Flamengo nem queria saber de futebol, estava bem só com o remo. Mas nove titulares tricolores brigam e resolvem sair para outro clube. O grande rival Botafogo não era opção, então batem à porta do Flamengo. O rubro-negro reluta, mas acaba aceitando, desde que o uniforme do football fosse diferente do uniforme das regatas. Feito: os novos flamenguistas vestiriam a papagaio-vintém.

Voltando ao fatídico 7 de julho: pela primeira vez, os ex-tricolores enfrentavam a camisa que os fizera campeões. Eram, obviamente, os favoritos: seus ex-reservas dificilmente conseguiriam fazer frente. Entretanto, o jogo acontece e o Fluminense vence, contra todas as previsões. Sim, um triunfo improvável, quase impossível. Uma vitória que jamais poderá ser vingada. Nascia o maior de todos os clássicos, forjado no ressentimento.

Em cem anos, o Fla-Flu viveu de tudo. Quase quatrocentas batalhasOnze decisões épicas. O maior público da história. Dezenas de agentes duplos (do desertor Alberto Borgerth nos primórdios a Thiago Neves recentemente, passando por Doval, CajuNunesEdinho, Aílton e Renato Gaúcho). As crônicas de Nelson Rodrigues. O pênalti defendido por Marcos Carneiro de Mendonça diante do Presidente da República. A batalha da Lagoa pelo Campeonato de 1941. Os milagres de Castilho. O gol de Flávio na decisão de 1969. A chuvosa apoteose de Manfrini. Um empate na Espanha. As cobranças de falta de Zico. As duas pérolas de Assis. Um maestro chamado Júnior. Um super-herói chamado Ézio. A barriga de Renato. O inusitado WO duplo. O pênalti sobrenatural de Cássio. O olé de dois eternos minutos.

Vai lá, mestre Nelson: "O Fla-Flu não tem começo. O Fla-Flu não tem fim. O Fla-Flu começou quarenta minutos antes do nada. E aí então as multidões despertaram!".

PC

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