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sexta-feira, 21 de outubro de 2016

OBITUÁRIO: descanse em paz, futebol brasileiro


Amigos, em quase dez anos escrevendo com frequência sobre futebol, jamais me sentei à frente do computador com tamanha tristeza quanto agora. Neste período, tive que escrever sobre algumas dolorosas derrotas esportivas. Quem me conhece pessoalmente sabe o quanto sofri, por exemplo, com a derrota do Fluminense na decisão da Copa Libertadores de 2008, ou com os intragáveis 7 a 1 impostos pela Alemanha à nossa Seleção, na semifinal da Copa do Mundo de 2014. Entretanto, nem mesmo naqueles dias deprimentes, eu me senti tão triste quanto hoje. O texto será longo, por motivos óbvios, mas peço a todos os que valorizam a minha opinião sobre futebol, que o leiam na íntegra.

Começo com a descrição dos fatos que iniciaram toda a polêmica: na quinta-feira, dia 13 de outubro, o Flamengo vencia o Fluminense por 2 a 1, em Volta Redonda, em partida válida pela 30ª rodada do Campeonato Brasileiro de 2016. Em lance de bola parada, aos 39 minutos do segundo tempo, o Fluminense empatou a partida com um gol do zagueiro Henrique. O árbitro Sandro Meira Ricci anulou o gol, devido à marcação do auxiliar Emerson Augusto de Carvalho, que assinalou impedimento do meia Cícero, que ele acreditava ser o autor do gol. Os atletas do Fluminense imediatamente avisaram a árbitro e auxiliar que o gol fora de Henrique, não de Cícero. Sandro confirmou que o gol fora de Henrique, e perguntou a Emerson se ele estava impedido. Com a negativa do auxiliar, o árbitro tomou a decisão final: validar o gol do Fluminense. Até aqui, não há opinião alguma: apenas a descrição dos fatos, descritos precisamente conforme as imagens da transmissão do jogo.

Sim, esta foi a decisão final do árbitro Sandro Meira Ricci: validar o gol do Fluminense. Assim está escrito na Lei 5 das Regras do Jogo da Federação Internacional de Futebol, a FIFA, cujo segundo parágrafo transcrevo abaixo:
"The decisions of the referee regarding facts connected with play, including whether or not a goal is scored and the result of the match, are final." (em tradução minha: "As decisões do árbitro sobre fatos conectados com o jogo, incluindo se um gol foi ou não marcado e o resultado da partida, são finais.")

O que aconteceu a seguir foi um clamoroso caso de interferência externa na decisão da arbitragem, a qual, repito, deveria ser final. Primeiro os jogadores do Flamengo e depois o inspetor de arbitragem Sérgio Santos avisaram a Sandro e Emerson sobre um suposto erro* na decisão de validar o gol, apontado pela televisão. Eles afirmavam, repetidamente: "A TV sabe, a TV sabe que não foi". Após treze minutos de muita confusão no gramado, o árbitro voltou atrás na própria decisão e resolveu anular o gol do Fluminense. Para utilizar um vocabulário popular, Flamengo ganhou a disputa no grito - algo que deveria causar arrepios em qualquer pessoa que preze por uma disputa esportiva honesta, dentro de regras. Nem mesmo as peladas amadoras do Aterro admitem tal barbárie, vale ressaltar.

*(Aqui abro parênteses para deixar claro: escrevo "suposto erro" porque simplesmente desconhecemos a tecnologia e os profissionais utilizados pelo canal de televisão Premiere para avaliar a jogada. Quem são os responsáveis pelo software que desenha a linha do impedimento na imagem? Este software foi validado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ou pela FIFA? Quem é o profissional que opera o software? Este profissional realizou algum curso na CBF ou na FIFA? Este profissional é remunerado pela CBF, pela FIFA ou mesmo pelos clubes envolvidos na partida? Sem respostas concretas a estas perguntas, qualquer diagnóstico de lance polêmico é somente oficioso, e qualquer erro mostrado é apenas suposto.)

Durante a confusão no gramado, eu mesmo, antes ainda da invalidação do gol de Henrique, avisei no Twitter:

A partida terminou mesmo com o placar de 2 a 1 para o Flamengo, com os minutos finais sendo disputados por duas equipes emocionalmente desestabilizadas, e com o árbitro absolutamente perdido, sem nem mesmo saber mais quantos minutos ainda restavam por ser jogados. A súmula do jogo, que usualmente é publicada uma hora após o apito final, só foi colocada no site da CBF na manhã seguinte, em mais um indicativo de que algo estranho estava acontecendo. No documento, o árbitro simplesmente não relatou a confusão, e ainda teve a pachorra de escrever que "nada houve de anormal" (!!). Sobre a validação e a posterior anulação do gol? Nenhuma palavra. Sobre a evidente interferência externa em sua decisão? Nada. Sobre a demora na publicação da súmula? Neca de pitibiriba! Posteriormente, Sandro Meira Ricci até corrigiu a súmula, citando a confusão, mas sem esclarecer nenhum destes pontos.

O Fluminense agiu como qualquer outro clube faria na mesma situação (vale lembrar que o próprio Flamengo o fez, em 2013): na segunda-feira 17, o Tricolor solicitou ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) a anulação da partida, por erro de direito (interferência externa na arbitragem). Se o pleito tricolor seria bem-sucedido, não tenho como saber. Talvez até não fosse, pois o STJD já foi algumas vezes acusado de não ser exatamente imparcial quando o Flamengo é um dos envolvidos. Mas que havia fundamentação mais do que suficiente pelo menos para a realização de um julgamento da questão, é um fato incontestável. O próprio presidente do STJD, Ronaldo Piacente, afirmou isto categoricamente, citando a reportagem do Esporte Espetacular, da TV Globo, veiculada no domingo 16.

Ainda na noite da segunda-feira 17, Piacente cumpriu seu dever: aceitou o pedido do Fluminense e suspendeu provisoriamente o resultado do Fla-Flu. Em entrevista à Rádio Globo, detalhou que haveria um julgamento pelos nove membros do STJD, deu um prazo para a solução e disse que ouviria todas as partes. Ele declarou: "A tabela agora terá um asterisco. O resultado é mantido, mas não se homologa até que haja uma decisão dos nove membros do Pleno do STJD. O julgamento será o mais rapidamente possível. Acredito que até a primeira quinzena de novembro esteja julgado. Ainda não posso me manifestar porque também vou julgar, mas ainda é algo prematuro. O que se precisa analisar é se houve a interferência externa. Todas as partes serão ouvidas".

Então, chega a fatídica quinta-feira 20. Pela manhã, o procurador-geral do STJD Felipe Bevilacqua inicia uma pressão pelo arquivamento do pedido de impugnação do Fla-Flu, sem apresentar nenhuma evidência concreta que anulasse as cabais provas de interferência externa. E então, no fim da tarde, Ronaldo Piacente subitamente muda de ideia, sem que nenhum fato novo tivesse surgido, e resolve, de maneira unilateral e ilegal, arquivar o pedido do Fluminense, que ele mesmo havia acolhido três dias antes. Com esta surreal e covarde decisão, Piacente legitimou a vitória "no grito", e assinou assim o atestado de óbito do futebol profissional brasileiro.

Me respondam: o que impedirá um time que venha a sofrer um gol polêmico nos próximos meses e anos de cercar o árbitro, alegar que "a televisão mostrou irregularidade", e praticamente forçá-lo a voltar atrás em sua decisão? Isso mesmo: nada. O meu sábio amigo Beto Sales vaticina com precisão:

Se eu fosse dirigente da FIFA, esta situação inacreditável seria imediatamente analisada, visto que a CBF está abertamente rasgando as Regras do Jogo, o documento sagrado que rege o esporte no mundo. Entre as possíveis punições para transgressões desse tipo, está até mesmo a exclusão da Seleção Brasileira e dos clubes do país de competições internacionais (punição que já foi aplicada algumas vezes ao longo da história).

Para piorar, ainda vemos torcedores e jornalistas celebrando a absurda e inaceitável violação das Regras do Jogo, de maneira constrangedora. Independentemente do clube para o qual você torce, ou do órgão de imprensa para o qual você trabalha, eu afirmo: se você não repudia a covarde decisão de Piacente, você é, das duas, uma: ou burro, ou mau caráter. Não, não há outra alternativa.

Não, não há justificativa possível para rasgar as leis. Não dá para relativizar a situação: as regras têm que valer para todos, o tempo todo. Ou você concorda com o raciocínio "ganhou a eleição, e daí que foi com caixa 2, o que importa é o resultado das urnas"? Alguns dizem que, com a decisão de Piacente, "o Brasileirão está salvo". O argumento é o mesmo utilizado pelos detratores da Operação Lava Jato: "atrapalha o Brasil, que antes vivia um clima de normalidade". Uma canalhice imensurável.

Em 2013, quando Flamengo e Portuguesa escalaram jogadores suspensos, o STJD cumpriu seu papel com perfeição, e aplicou as devidas punições aos dois clubes, com unanimidade nos dois julgamentos - o que acabou rebaixando a Portuguesa para a segunda divisão. Ali, eu tive esperança de que o futebol brasileiro estava começando a trilhar caminhos corretos. Porém, com o surreal desfecho deste caso do Fla-Flu, começo a me questionar: será que, se o rebaixado de 2013 fosse o poderoso Flamengo, e não a pobre Portuguesa, a mesma decisão teria sido tomada? Será que pelo menos teria havido um julgamento? Ou o Flamengo teria sido sumariamente absolvido? No Brasil, as regras são iguais para todos? Ou ainda estamos na pré-civilização, em que vale a "lei do mais forte"?

O Fluminense, com a convicção daqueles que sabem que têm razão, já respondeu à covardia de Ronaldo Piacente em nota oficial, cobrando-lhe explicações por "sua inusitada e contraditória mudança de opinião". Tomara que o pioneiro do futebol brasileiro, o clube responsável por sermos a potência que somos, siga lutando pelo engrandecimento do nosso esporte, e enchendo de orgulho seus torcedores.

Quem conhece a história sabe que foi em Laranjeiras que o futebol brasileiro nasceu. E é aqui que ele há de ressuscitar.

PCFilho

12 comentários:

  1. Caro PC,
    Compartilho do mesmo sentimento. Agora ficou claro e evidente que corinthians e flamengo tudo podem e nunca serão punidos, com a conivência da arbitragem, da imprensa suja e dos tribunais desportivos. RIP futebol brasileiro.
    Eu já estou pronto para o próximo 7x 1, só que dessa vez não será para a Alemanha. Talvez Argentina ou EUA.

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    1. O 7 a 1 é fichinha perto do que aconteceu nesta quinta-feira.

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  2. Era contra a entrada da reclamação, sabia que não daria em nada, só ia dar mais um motivo pra imprensa oportunista voltar a fazer chacota com o fluminense. Há tempos o futebol vem doente e sabemos quem são os tumores desse câncer!!!

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    1. Quando eu sei que tenho razão, vou até o fim em busca dos meus direitos. Se a gente "deixar tudo por isso mesmo" sempre, as coisas erradas nunca mudarão.

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  3. Perfeito PC, se pudesse acrescentar alguma coisa, diria ainda, que após 13 min de paralisação, o jogo segue e o Sandro Ricci, reincidente em prejudicar o fluminense e, curiosamente 2 fraxFlus recentes, dá apenas 7 minutos de acréscimos. Vale ressaltar, que depois de toda a lambença, a cidadela rosa-negra quase havia caído, não fosse interferência do além, quando a bola bate de todo jeito no goleiro e não entra. e, mesmo que atabalhoadamente e com os nervos em frangalhos, era o Fluminense quem encurralava o covarde framengo em seu campo.

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    1. Obrigado, Jamir.

      A ausência de acréscimos no jogo demonstra como o árbitro estava totalmente perdido. Após a confusão, quis encerrar o jogo o mais rapidamente possível. Afinal, já pensou se ele precisasse anular OUTRO gol do Fluminense?

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    1. O comentário apagado era o seguinte:

      Dá nojo o futebol. E hoje em dia várias pessoas comentam: O futebol se ganha fora das 4 linhas também! Esses nefastos da inJustiça são todos urubus! Absurdo!

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  5. Em 2013, ao votar favoravelmente às punições de Flamengo e Portuguesa, o auditor do STJD Felipe Bevilacqua de Souza chamou a atenção para a necessidade do cumprimento das leis, "independente do impacto na tabela da competição e da opinião pública".

    Em 2016, o mesmo Bevilacqua, hoje procurador-geral do mesmo STJD, rasga despudoradamente as mesmas leis, ao pressionar pelo arquivamento do pedido de anulação do Fla-Flu, jogo em que houve escandalosa violação das Regras do Jogo.

    Por quê? Porque desta vez o Flamengo seria o "prejudicado" pela aplicação das leis?

    Bevilacqua é natural do Rio de Janeiro. De acordo com as pesquisas de torcida, metade da população do RJ torce para o Flamengo. Será que Bevilacqua é flamenguista?

    Os nove homens de preto do STJD podem tudo. Nós, torcedores que pagamos por esse circo, não podemos nada. Não podemos nem mesmo saber quais são os clubes do coração destes canalhas.

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  6. PC, desde 2009 o STJD perdeu a credibilidade quando julgou e eliminou o Sergipe da serie D indevidamente, após a CBF ter criado um regulamento bizarro, que nem ela mesma sabia interpretar! Na época, pra não passar vergonha, CBF e STJD se uniram e de uma forma grotesca classificaram o Tupi e eliminaram o Sergipe, fizeram tudo 'por debaixo dos panos', uma coisa vergonhosa, que me dá nojo até hoje! E foi exatamente na mesma proporção que trataram esse caso do Fla X Flu. A CBF ao invés de punir imediatamente o árbitro, e pressionar o STJD por uma solução legal que não violasse as regras do jogo, se omitiu, se acorvardou! E o STJD, remando no mesmo barco, ainda deu justificativas estapafurdias, um verdadeiro filme de horror! A FIFA deveria ficar ciente que o seu filiado está agindo de uma forma arbitraria e desleal, lamentável o desfecho desse caso!

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  7. Parabéns!
    Um artigo irretocável.
    Pode ser usado como base para uma ação na justiça comum ou para recorrer a CAS.
    ST

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