domingo, 3 de maio de 2009

Recordar é Viver - O Jogo do Senta


Nos últimos dias, publiquei aqui no "Recordar é Viver" dois jogos históricos disputados entre Botafogo e Flamengo, os finalistas do atual Campeonato Carioca. Escolhi uma vitória do Botafogo (Carioca de 1989) e uma vitória do Flamengo (Brasileiro de 1992). Hoje, fiquei com muita dúvida sobre qual jogo publicar, de modo a agradar as duas torcidas. Para que ninguém se sentisse prejudicado, escolhi uma vitória do Botafogo, num ano em que o Flamengo ganhou o tricampeonato. Quase todas as informações do texto de hoje eu obtive no excelente e alvinegro Blog do Roberto Porto, parcialíssimo e por isso mesmo excelente.

A partida é de uma época remota, amigos. Mais de sessenta anos nos separam daquele 10 de setembro de 1944. Ah, que saudade daqueles nostálgicos anos 40, que eu não vivi. Aquela atmosfera única permitia que o futebol fosse mais romântico e mais apaixonado que hoje. Botafogo e Flamengo se enfrentavam pelo returno do Estadual, em General Severiano. É importante ressaltar: naquela época saudosa, General Severiano era maior que o Maracanã. Aquela tarde ensolarada de domingo entraria para a história de ambos os tradicionais clubes da Zona Sul carioca.

O Flamengo caminhava a passos largos para o seu primeiro tricampeonato. Só contabilizava duas derrotas em todo o certame: uma para o América e uma para o Vasco. Já o Botafogo só queria se vingar dos 4 a 1 do turno, no jogo de Laranjeiras. Cabe lembrar que a vingança é um combustível esplêndido: esportistas com desejo de vingança atuam com ímpeto e garra inexcedíveis. O campo do Botafogo estava abarrotado de gente, contando com um público excepcional para aqueles tempos sem Maracanã.

Vejamos as escalações dos dois quadros. O dono da casa teve a seguinte linha: Ari, Laranjeira e Ladislau; Ivan, Papeti e Negrinhão; Lula, Geninho, Heleno de Freitas, Valsecchi e Valter. Já o mais querido escalou: Jurandir, Newton e Quirino; Biguá, Bria e Jaime de Almeida; Nilo, Zizinho, Pirillo, Sanz e Jarbas. O árbitro foi Aristides Figueira. Ninguém gostava desse nome esquisito - ninguém! E convenhamos que o nome faz toda a diferença na vida do sujeito. Não me canso de citar o exemplo do ex-imperador francês Napoleão Bonaparte. Se ele se chamasse Aristides Figueira, provavelmente teria sido muito menos napoleônico do que realmente foi. Por isso mesmo, o povo carioca tratou logo de impor um apelido ao juiz: Mossoró. Isso sim é nome de árbitro de futebol.

Jogando em casa, o Botafogo começou melhor. Fez 2 a 1 no primeiro tempo, com gols de Heleno de Freitas e Valsecchi. Valter e Heleno de Freitas ainda ampliaram para 4 a 1, no segundo tempo. Era o placar perfeito, para vingar o jogo do turno (relembrando, Flamengo 4 a 1, em Laranjeiras). Porém, o rubro-negro descontou com Jarbas: 4 a 2.

Aos 31 minutos da segunda etapa, Geninho balançou pela quinta vez as redes flamengas. Disse que as redes balançaram, mas já me corrijo. Na verdade, as redes não chegaram a balançar, e é nesse fato peculiar que reside toda a polêmica eterna deste jogo. A bola chutada por Geninho passou por Jurandir, bateu na parte inferior do travessão, e quicou dentro do gol, para depois sair. O juiz Mossoró estava convicto de que a bola havia de fato ultrapassado a linha, e por isso validou o gol. Botafogo 5, Flamengo 2.

O lance polêmico é a oportunidade do tumulto. Os jogadores do Flamengo, liderados por Jurandir, iniciaram o chororô para cima do árbitro, cercando-o. "Não entrou, não entrou!", juravam os flamenguistas. Mas de nada adiantava: Mossoró se manteve firme na sua convicção. Os alvinegros, que nada tinham a ver com a confusão, aguardavam o reinício da partida, batendo bola em campo. E então aconteceu a cena patética: os jogadores do Flamengo se sentaram em campo, obedecendo a ordens vindas dos dirigentes Marino Machado e Francisco Abreu. Imaginemos a cena surreal: os futuros tricampeões permaneceram pateticamente sentados até o cronômetro indicar o final da partida. Quando isso ocorreu, os craques levantaram-se e foram tomar banho nos vestiários. A súmula de Mossoró registrou o quinto gol e, portanto, o placar de 5 a 2. A Federação homologou o resultado, e o chororô dos dirigentes rubro-negros continuou durante toda a semana subseqüente, com muitas reclamações na imprensa. Os jornais então apelidaram a batalha do domingo como "O Jogo do Senta".

É importante isentar de culpa o treinador rubro-negro: Flávio Costa não teve participação no protesto bizarro. Ele afirmou, na época: "Não queria que os jogadores se sentassem no gramado. Estava longe e não pude interferir. Aquilo foi ordem dos dirigentes.".

Meus leitores devem estar se perguntando: "E a reação da torcida?" Foi épica, amigos, foi épica. Os alvinegros não perdoaram, e aproveitaram para tirar sarro: "Senta, para não apanhar de mais!", gritavam eufóricos. E os jogadores sentados certamente ouviam cada palavra como se fosse um sussurro nos ouvidos. Ah, como eram bons os jogos nos campos pequenos, com a torcida ali pertinho, quase encostando nos craques que encharcavam as camisas!

A bola entrou ou não entrou, afinal? Infelizmente, não há registros em fotos ou vídeos do momento sublime. Jamais saberemos quem tinha razão, se o juiz Mossoró, se os dirigentes do Flamengo. O debate segue até hoje: alguns sobreviventes juram que a linha foi ultrapassada; outros juram justamente o oposto disso. Há de chegar o dia em que todos os sobreviventes não mais estarão vivos, mas a polêmica continuará. As almas deles continuarão discutindo o lance fatal, pois a morte não interfere nas paixões clubísticas.

O campeonato seguiu em frente como se nada tivesse acontecido, e o Flamengo acabou conquistando mesmo o tri, em cima do Vasco, com outro lance polêmico (o famoso gol de Valido na Gávea).

O jogo aqui relatado teve um profundo impacto na história do clássico Botafogo x Flamengo. Foi naquele domingo que começou a se acentuar a rivalidade entre os dois clubes. Por muitos anos e até hoje, os botafoguenses não se conformam com o fato de o rubro-negro não ter aceitado a derrota.

Desde então, Botafogo e Flamengo já se enfrentaram centenas de vezes. E, toda vez que o fazem, é como se fosse naquela ensolarada tarde de domingo em General Severiano.

PC

10 comentários:

  1. O "fra" não aguentoou tomar uma enfiada de um time do tamanho do América e literalmente sentou.

    2x vergonhoso.

    Parabéns ao PC por + esta pérola e sua comunidade de blogueiros

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  2. http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=28077&tid=5331540387121599702

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  3. Simplesmente patético!!!
    O engraçado é que a flapress nem comenta acontecimentos como esses...

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  4. Sério, poucas coisas me deprimem tanto quanto o Flamengo.

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    1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  5. PC, parabéns por mais esta crônica sensacional!

    Ela foi citada hoje na comunidade do Botafogo no orkut:
    http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=22408&tid=5369731180491871192&na=2&nst=12

    Beijos,
    Marcela

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  6. adorei o jogo senta, foi uma pena que eles nao levantaram para apanhar mais!

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  7. flavela nunca aceita nada vam dizer que isso faz muito tempo , eu ja tinha lido sobre esse jogo e comentem com esses urubus pateticos + flamenguista é td burro como vai ler alguma coisa ? intao ta perduad...

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  8. Andre Tadeu
    O jogo do senta - ouvir flamenguista dizer que botafoguense choro é zuar a si mesmo pq tbm ja o fizeram + como conheço bem essa laia ja vou antecipando que a desculpa que isso faz muito tempo nao cola pq a maioria ai nao viu metade das conquistas que seu clube tem.

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