segunda-feira, 16 de março de 2020

Archibald French, o jogador do Fluminense que morreu da gripe espanhola em 1918

Archibald French, meia-esquerda do Fluminense em 1918.

A gripe espanhola de 1918, maior pandemia da história humana, fez milhares de vítimas no Brasil. Algumas cidades tiveram mais da metade da população adoecida. Oficialmente, foram registradas 14.348 mortes pela gripe somente no Rio de Janeiro, incluindo a do presidente eleito Francisco de Paula Rodrigues Alves, que veio a óbito em 16 de janeiro de 1919. No mundo, as estimativas variam entre 20 e 50 milhões de vítimas fatais - aproximadamente uma morte para cada quarenta pessoas vivas na época.

O Fluminense, então melhor time de futebol da capital, também foi afetado. Ao todo, 24 sócios do clube morreram durante a epidemia. Em 9 de dezembro de 1918, um dia após confirmar a conquista do Bicampeonato Carioca, o Tricolor mandou rezar uma missa por seus sócios falecidos: M. J. Oliveira Rocha, Eurico Duarte Pinto, Mathias C. Costa, Alberto Dias Carneiro, dr. João de Araujo Campos, dr. Nelson de Azambuja, Antonio Lage, dr. Octavio de Siqueira Queiroz, Luiz de Castro Guimarães, Anelio Rocha, J. Carneiro da Silva, Emilio Simon, Romulo Castanheda, Leon Gouy, Archibald William French, dr. Guilherme Rocha Filho, Annibal Costa Pereira, Raymundo Belfort, Antonio Ribeiro da Silva, Claud V. Nelliman, Aurelio Simonetti, Antonio Sevalho Junior, J. E. Barbosa e João Armindo dos Passos Macedo

A morte mais sentida pelo time do Fluminense, naturalmente, foi a do jovem Archibald William French, o meia-esquerda titular da equipe principal tricolor. Ele havia se transferido para o Fluminense em março de 1918, oriundo do Bangu, time pelo qual havia obtido destaque entre 1915 e 1917. Archie, como era chamado pelos futebolistas da época, era presença contante nas convocações para a seleção carioca. Em 22 de julho de 1917, ele fez cinco gols na vitória do Bangu por 6 a 1 contra o Tupi de Juiz de Fora, tornando-se o recordista do clube de tentos em um mesmo jogo.

Archie nasceu em Liverpool, em 8 de janeiro de 1896, e veio ainda criança para o Brasil. Ele era filho de William French, um dos cidadãos britânicos que vieram para o Rio de Janeiro nos anos 1890, para auxiliar na implantação da incipiente indústria brasileira. Em 1899, William assumiu os cargos de mestre das oficinas e chefe das máquinas da "Companhia Progresso Industrial do Brazil", em Bangu. Na década seguinte, esta fábrica daria origem ao Bangu Atlético Clube. William se tornaria o primeiro presidente do Bangu, e Archie iniciaria sua carreira futebolística no time alvirrubro.

Como ainda estávamos nos tempos do futebol amador, os atletas precisavam ter um emprego fora dos gramados. Assim, além de dedicar seu tempo ao esporte, Archie também era funcionário da filial sul-americana da "The Texas Company Ltda" – a Texaco, empresa do ramo petrolífero que havia chegado ao Brasil em setembro de 1915.

Os dois primeiros jogos de Archie pelo Fluminense foram amistosos numa excursão a São Paulo, nos quais ele teve excelentes atuações. Em 9 de junho, na Vila Belmiro, o Tricolor goleou o Santos por 6 a 1, com Archie marcando dois gols já em sua estreia. Dois dias depois, o Fluminense derrotou o Paulistano, então bicampeão paulista, por 3 a 1, naquele que era o grande clássico do futebol brasileiro.

Na retomada do Campeonato Carioca, Archie já apareceu como titular. Em 23 de junho, o Fluminense derrotou o Flamengo por 3 a 0, com um gol de Archie. Em 30 de junho, na goleada sobre o Carioca por 6 a 0, Archie marcou mais dois gols. Em 14 de julho, o Fluminense empatou em 0 a 0 com o Botafogo. Em 21 de julho, dia do aniversário do clube, vitória sobre o Bangu por 4 a 2, com Archie marcando o segundo gol tricolor.

O Fluminense seguiu sua campanha rumo ao título, com Archie no time titular em todos os jogos: 1 a 0 sobre o Andarahy (em 28 de julho), 0 a 1 para o Villa Isabel (em 15 de agosto), 4 a 0 no America (em 15 de setembro), 2 a 2 com o São Cristóvão (em 20 de setembro), 2 a 1 no Botafogo (em 29 de setembro).

Em 6 de outubro, em partida válida pela antepenúltima rodada do Campeonato Carioca, no campo do Botafogo, na rua General Severiano, o Fluminense empatou em 2 a 2 com o Flamengo e virtualmente garantiu o Bicampeonato. Este Fla-Flu acabaria sendo o último jogo da curta carreira de Archie. Em doze partidas pelo Fluminense, o talentoso meia-esquerda marcou seis gols.

A epidemia forçou a proibição de aglomerações de pessoas e a paralisação de dois meses no Campeonato. Diversos atletas, de todos os times, já estavam infectados com a influenza. Dentre eles, estava Archie. O Rio de Janeiro era um cenário de guerra, uma terra arrasada, com milhares de pessoas doentes e centenas de enterros acontecendo diariamente. Os jornais tinham páginas repletas de anúncios fúnebres, todos os dias.

Jornal "O Paiz", 20 de novembro de 1918.

Em 29 de outubro, Archibald William French não resistiu às complicações da gripe e faleceu. Aquele dia triste ficou marcado para sempre na história tricolor. Em 8 de dezembro, o Campeonato foi retomado, e o Fluminense confirmou matematicamente o título, que dedicou a Archie, com uma vitória de 2 a 0 sobre o Mangueira. É impossível não se emocionar ao ler o trecho da reportagem do jornal "O Paiz" sobre a partida: "Já não figurava no conjunto campeão a figura sympathica de Archibald French, que a epidemia colheu tão impiedosamente".

No ano seguinte, a vida começaria a voltar ao normal no Rio de Janeiro. O Fluminense concluiria a construção do monumental Estádio de Laranjeiras, onde sediaria o Campeonato Sul-Americano, primeiro torneio conquistado pela Seleção Brasileira. Com o ponta Bacchi no lugar de Archie no time titular de 1919, o Tricolor consolidaria sua hegemonia no Rio de Janeiro, com a conquista do Tricampeonato e da posse definitiva da Taça Colombo.

PCFilho

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