terça-feira, 30 de março de 2010

Vocação da Eternidade


(crônica de Armando Nogueira)

Quarta-feira, 24 de Julho de 2002

O Fluminense retira Telê da vida reclusa e presta-lhe uma bela homenagem, no rol de celebrações do centenário. Na era do profissionalismo, poucos encarnam tão bem a glória do clube como Telê Santana. Que o digam os que o viram, um fiapo de gente, a ensopar a camisa de talento e suor, no começo dos anos cinqüenta. Eu vi, cansei de ver Telê criar, ao lado de Didi, momentos que, depois, Nelson Rodrigues recriava na sua prosa poética de consagração tricolor. Aliás, foi outro ilustre tricolor, Mário Filho, quem primeiro chamou Telê de "Fio de Esperança". Nada mais feliz. Telê era em cada jogo a renovada promessa de um novo gol, de um novo triunfo, de um novo título. Como o de campeão carioca de 1951. Solidário, Telê subia e descia o lado direito do campo, defendendo e atacando, guerreiro incansável. Era, em 51, a prefiguração do que viria a ser o também infatigável Zagallo, no mundial de 58.

A imortalidade do Fluminense está nos seus nobres troféus, nos seus castos vitrais, nas nuvens de pó-de-arroz perfumadas, na bandeira de três cores, no hino (o mais bonito de quantos Lamartine Babo compôs pros clubes do Rio); na aristocracia de Marcos Carneiro de Mendonça; na saudade de Romeu e Carreiro; na recordação de Orlando Pingo de Ouro e Pedro Amorim. Mais que tudo, o Fluminense do meu tempo está nos gols incomparáveis de Ademir Menezes, um portento de artilheiro que não dava por menos: no supercampeonato de 46, cada gol dele tinha ressonâncias de verdadeira ópera. Ao lado de Ademir, na mesma dimensão histórica, figura o goleiro Castilho. Sem ser santo, o moço fazia milagres em baixo das traves. Enfim, são tantas e tamanhas as fulgurações pessoais na vida do Fluminense que seria impossível enumerá-las sem cometer imperdoáveis omissões. O Fluminense de minha memória afetiva é, sobretudo, Nelson Rodrigues, autor dos cânticos mais poéticos, mais ardentes que alguém já dedicou a um clube de futebol. Em Nelson, com quem briguei e desbriguei algumas vezes, aprendi que o Fluminense veio ao mundo com a vocação da eternidade.

Preciosa lição que trago comigo, pela vida afora, no melhor do meu coração.

10 comentários:

  1. O bom de ler coisas do Armando Nogueira e do Nelson Rodrigues é a parte lúdica e a poesia, hoje tratam o futebol com uma cobertura de fatos ou análises táticas, pouco se presta atenção na poesia, nos detalhes que parecem pouco importantes, no ambiente.

    Faltam bons contadores de história na crônica esportiva brasileira, se vê muito disso em alguns blogs independentes (como o jornalheiros), mas é raramente visto na grande mídia (talvez no blogueiro do Flu no globoesporte.com).

    Mas sabe qual o mais estranho? É que hoje faz menos sentido a análise tática e o contar da historia só se preocupando com os fatos, isso todo mundo tem acesso, indo ao jogo, vendo da tv, vendo num bar, vendo na internet ou o que for. Acho que a hoje se tem a necessidade de gente para criar em cima dos jogos e transformar um jogo numa poesia.

    []'s

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  2. Outra coisas, textos deste tipo são atemporais.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Será q o Renato M. Prado seria capaz de escrever uma crônica falando bem de Fluminense ou Vasco? Assim como fez brilhantemente o botafoguense Armando Nogueira falando do Flu e o fanático tricolor Nelson Rodrigues falando do fla...
    A resposta é Não!!!
    E essa é a grande diferença entre gênios e simples mortais.
    Se a imprensa de hj tivesse aprendido um pouco com eles, com certeza essa nojeira que vemos hj seria menos pior!
    Mas q burrice a minha, né?! Pq A.N. e N. R. traduziam o q viam em palavras, já R. M. P. e vários outros traduzem o q querem. São os idiotas da objetividade, melhor, os idiotas da medíocridade!

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  5. É impressionante. Ele consegue ao mesmo tempo ser poético e falar de tática (Telê indo e vindo, tal qual Zagallo anos mais tarde).

    E isso, como bem ressaltou a Fernanda, escrevendo sobre um clube rival ao seu.

    Obrigado, Armando Nogueira, poeta eterno do nosso futebol!

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  6. Também acho que as análises "poéticas" fazem muito mais sentido que as atuais.

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  7. Não, Gloria, Mario Filho era tricolor.

    Isso já me foi confirmado por pessoas que conviveram com ele.

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