quinta-feira, 22 de maio de 2008

A profecia de Nelson Rodrigues

Acabo de chegar do Maracanã. Não posso deixar para contar depois a história da épica vitória tricolor. Tenho que escrevê-la agora.

Segunda-feira, de madrugada, tive um animado papo com Nelson Rodrigues. Há quem diga que eu estava sonhando, pelo horário e por acharem que Nelson morreu. Como ele sabe das coisas, perguntei a ele sobre o jogo de quarta-feira, contra o São Paulo, no Maracanã, pela Copa Libertadores da América. Ele me respondeu, seco: "O Flu se classificará. Washington desencantará. Ele fará dois gols!" Bom, não sei se os caros leitores acreditarão em mim, mas eu contei sobre o papo a algumas pessoas, antes do jogo, de modo que tenho testemunhas do fato. Conversamos sobre mais algumas coisas, e nos despedimos com as tradicionais "saudações tricolores". Acreditando nas palavras do sábio mestre, fui ao estádio empurrar o meu time.

Quarta-feira, 21:45, Estádio Jornalista Mário Filho. 80 mil tricolores lotam o mais importante estádio do futebol mundial. Assim que o time entra em campo, fazemos a tradicional festa do pó-de-arroz, e começamos uma cantoria que só pararia ao fim do primeiro tempo. Eu estava posicionado na arquibancada amarela, à esquerda das cabines de rádio, como sempre. Acompanhado de minha família, um amigo e mais uma multidão de torcedores apaixonados.

Como freqüentador assíduo de estádios de futebol, e amante do esporte, devo dizer que nunca havia visto uma torcida tão ativa, tão empolgante, tão concentrada no jogo como a que vi hoje. Foi impressionante, de arrepiar! Cantamos o tempo inteiro, e vaiamos muito o time do São Paulo, que errou muito, estando visivelmente apavorado com a massa que cantava contra ele. Essa torcida merecia a classificação!!!

Ainda nos primeiros minutos do jogo, Washington abriu o placar, com um leve desvio que tirou Rogério Ceni do lance! O mesmo Washington que não marcava há não-sei-quantos jogos. Ele desencantou, e a profecia de Nelson Rodrigues começava a se confirmar.

O time jogou muito, e jogou com raça! Por pouco, não ampliou o placar ainda no primeiro tempo, em lindo chute de Thiago Neves, que bateu caprichosamente na trave! Veio o intervalo... 15 minutos de silenciosa tensão no maior estádio do mundo. A massa poupava sua voz para a batalha do segundo tempo. Ainda precisávamos de um gol.

Apesar de continuar bem no jogo, lá pelos 24 minutos do 2º tempo, aconteceu o que todos temíamos: gol do São Paulo. Sempre ele, Adriano. Agora, precisaríamos de dois gols. Eis que, um minuto depois, a torcida já voltava a incentivar o time após alguns segundos de choque, e... GOL!!!! Gol do Fluminense! Dodô, o artilheiro dos gols bonitos, em chute fraquinho! 2 a 1. Novamente, só faltava um gol.

"O Flu se classificará. Washington desencantará. Ele fará dois gols!" O Flu atacava, o time jogava com raça, a torcida empurrava das arquibancadas com uma força que eu jamais vi torcida alguma fazer. Mas o gol não saía.

Quando já estávamos nos acréscimos do juiz, escanteio. 46, talvez 47 do segundo tempo. Thiago Neves foi para a cobrança. Seria talvez nossa última chance. A cobrança do habilidoso meia encontrou a cabeça de Washington. E ele, tal qual seu xará da década de 80, sabe usar a cabeça. A bola entrou. GOL!!!! Vivi um momento de êxtase inexplicável, inenarrável. Chorei. Chorei muito. O segundo gol de Washington! A profecia de Nelson Rodrigues estava quase cumprida. Só faltava terminar o jogo!

O São Paulo ainda teve uma chance de se classificar, mas nosso goleiro Fernando Henrique coroou a belíssima atuação com uma defesa segura. Acabou. O Fluminense se classificou. A profecia estava cumprida. A torcida, os jogadores, e o técnico Renato Gaúcho puderam então comemorar a merecida vitória. A épica vitória! A espetacular vitória!

Obrigado, torcida do Fluminense. Fazemos parte da mais fantástica torcida que uma agremiação esportiva jamais reuniu. Sou Tricolor de Coração...

Obrigado, jogadores do Fluminense. Vocês honraram o manto que vestem, e nos representaram com amor e com vigor! Fizeram a torcida querida vibrar de emoção...

Obrigado, Renato Gaúcho. Você foi o perfeito comandante. A imagem de você, sentado no gramado, ainda emocionado minutos após a vitória, jamais sairá de minha memória.

Obrigado, Nelson Rodrigues. Você provou para nós que não está morto. Você é imortal! E mostrou que sabe das coisas! "O Flu se classificará. Washington desencantará. Ele fará dois gols!" Aguardo ansiosamente nosso próximo papo!

Saudações Tricolores!
PC

sábado, 10 de maio de 2008

Maracanazo

Dezesseis de julho de mil novecentos e cinqüenta. Final da Copa do Mundo, Maracanã, Brasil x Uruguai. O ambiente era todo favorável ao primeiro título brasileiro, em casa, no estádio mais importante do mundo, recém construído. O resultado foi completamente inesperado, vitória dos uruguaios por 2 a 1, e um Maracanã lotado, com cerca de duzentas mil pessoas (!!!), se calou. Esse jogo ficou conhecido como Maracanazo, e representa uma das maiores decepções no futebol brasileiro, e até mesmo mundial.

Sete de maio de dois mil e oito. Eu vivi meu próprio Maracanazo. Meu não, do meu time, Flamengo. Três dias após o conquistar o bicampeonato carioca sobre o Botafogo, o time rubro-negro jogava para chegar às quartas-de-final da Libertadores contra o América do México, após ter vencido o jogo de ida em pleno estádio Azteca por 4 a 2. Para incrementar a vantagem do Flamengo, o América vivia uma crise profunda, lanterna do campeonato mexicano; por outro lado, o time carioca se despedia de seu treinador, Joel Santana, responsável por grandes resultados recentemente. Tinha tudo para ser uma grande partida para o Flamengo, com vitória garantida e vaga assegurada para a próxima fase.

Nenhum torcedor rubro-negro, nenhum mesmo, por mais pessimista que fosse, poderia imaginar que o Flamengo não se classificaria. NENHUM!!! Conversei com vários amigos também flamenguistas ao longo do dia, perguntando se também iriam ao jogo, e de todos obtive a mesma resposta: "Pô cara, esse jogo tá ganho... vou esperar pra ir contra o Santos". Todos davam como certa a classificação do time. Ninguém, nem mesmo tricolores e alvinegros esperavam o que aconteceu. Acredito que muitos nem viram o jogo.

Mas... aconteceu. É a reafirmação da velha máxima: "O futebol é uma caixinha de surpresas". Se alguém apostou dois reaizinhos na classificação do América no jogo de ontem, hoje está muito rico.

Maracanã bastante cheio, quase lotado para os padrões de hoje em dia. Festa do título, festa do treinador, festa da classificação. A torcida empolgada como poucas vezes havia visto.

Começa o jogo, e como era esperado, o Flamengo parte para cima dos mexicanos. Inúmeras chances foram desperdiçadas, mas ao que tudo indicava, teríamos uma goleada. E de repente, gol do América.

Tudo bem, vacilamos na defesa, mas 1 a 0 ainda é nosso. Novamente o Fla pressiona, perde várias chances e num erro bobo, mais um gol mexicano. Nesse momento, todos começaram a mostrar certa apreensão. Mas a confiança ainda era grande, pois continuávamos nos classificando, e no intervalo o Papai Joel ia dar uma bronca nos jogadores, provavelmente ia mexer no time, e no segundo tempo poderíamos até virar o jogo.

A etapa final começa como a anterior. Flamengo pressiona, e perde gols incríveis. O time mexicano joga só na defesa, mostra-se incapaz de fazer qualquer coisa. E a torcida cantando cada vez mais forte. Um detalhe que eu observei, durante o jogo todo, a torcida cantou apenas para incentivar o time. Nenhum dos gritos foi para tirar sarro com os outros clubes cariocas... acho que nunca tinha presenciado isso também.

E aí veio o golpe. Falta boba na frente da área, a bola desvia na barreira, mata o goleiro e... silêncio. Quando um time é rebaixado, o sofrimento é diluído pela péssima campanha ao longo do campeonato. Quando um time perde uma final, ainda mais num clássico, a surpresa não é tão grande, pois as chances são de 50% para cada lado. Mas em um jogo desses, onde, volto a frisar, NINGUÉM esperava a derrota do Flamengo, o golpe foi incrível. Metade da torcida (eu inclusive) não tinha forças nem para xingar os jogadores. Pouquíssimos continuavam incentivando, acreditando que o golzinho salvador viria. Muitos deixavam o estádio. E todos tinham no rosto a mesma expressão de incredulidade. Mas o sentimento era mais do que de incredulidade, era algo que não consigo descrever.

Se fosse botafoguense, emo, ou um pouco menos comedido em minhas reações, teria ido às lágrimas naquele momento. Mas apenas fiquei ali, sentado, com as mão na cabeça, sem acreditar que estávamos desclassificados. Quarenta e cinco minutos, meu irmão falou para irmos logo embora, não valia a pena continuar sofrendo ali. Desde o gol, não falei mais nada, e o silêncio se manteve até chegar em casa. No caminho, com milhões de coisas passando pela cabeça, lembrei do fato histórico que abriu minha narrativa, e concluí que o que os brasileiros sentiram naquela época deve ter sido mais ou menos a mesma coisa.

Não quero falar sobre o que o Flamengo devia ou não devia ter feito, nem filosofar sobre os motivos da derrota. Quero apenas dar o meu relato sobre um grande revés, inimaginável, talvez até mesmo pelos jogadores do América.