Quando o torcedor sobe a rampa de acesso à arquibancada, geralmente não espera nada mais do que assistir ao espetáculo e ir embora, saindo da mesma maneira anônima como entrou. Às vezes, no entanto, mesmo inconscientemente, o sujeito entra para a história.
Em primeiro de dezembro de 1988, o Botafogo, passando por uma grave crise (não levantava uma taça sequer havia vinte anos), levava uma goleada do Vasco no Maracanã (3 a 0, fora o baile). Na beira do campo, uma torcedora-mirim chorava copiosamente: era a gandula Sonja Martinelli (sequência de fotos acima). Ela não imaginava que aquelas lágrimas infantis a tornariam um símbolo vivo do seu Botafogo. No ano seguinte, o jejum de conquistas acabaria, as lágrimas dariam lugar ao sorriso no rosto de Sonja, e os supersticiosos botafoguenses, claro, elevariam Sonja à condição de principal responsável pelo fim do sofrimento.
Seis anos antes de 1988, em Barcelona, outras lágrimas infantis haviam comovido a nação: era um brasileirinho derramando seu desespero nas arquibancadas do Sarriá, após a derrota da Seleção para a Itália de Paolo Rossi, na Copa do Mundo. A imagem, capturada pelo fotógrafo Reginaldo Manente, viraria um símbolo daquela derrota. O menino tinha 10 anos e se chamava José Carlos Rabello Júnior, mas só teve sua identidade descoberta oito anos depois, em uma reportagem durante a Copa do Mundo de 1990. Hoje, José Carlos é advogado, e confessa ainda chorar por causa de futebol.
A foto histórica (tirada por Reginaldo Manente).
O caso mais emblemático de torcedor famoso vem dos Estados Unidos, porque a sua notoriedade tem um motivo especial: ele parece ter de fato alterado o rumo da história.
No baseball, quando uma bola é rebatida na direção da arquibancada, os fãs inevitavelmente se levantam e lutam para pegá-la. Principalmente quando se trata de um jogo importante, a bola é um autêntico troféu (que pode valer muito dinheiro - há bolas que já foram leiloadas por centenas de milhares de dólares). Foi somente isso que Steve Bartman, adepto do Chicago Cubs, fez: levantou e lutou pela bola rebatida. Não poderia imaginar que aquela simples ação - absolutamente comum nos jogos de baseball - alteraria sua vida de forma tão dramática.
Cabe um parágrafo para explicar toda a atmosfera ao redor daquele jogo: o Chicago Cubs não vencia a World Series (decisão do título maior do baseball) desde 1908. O time sequer disputava a World Series desde 1945 (para chegar à World Series, o Chicago Cubs precisa vencer a National League). Em 2003, no entanto, a longa fila parecia estar chegando ao fim: o time disputava a final da National League e, numa melhor-de-7 contra o Florida Marlins, abriu 3 a 1. Bastava, portanto, uma vitória nos três jogos restantes (sendo os dois últimos em casa). A derrota no quinto jogo, na Flórida, chegou a ser "comemorada": afinal, após tão longa espera, nada melhor que festejar a conquista em casa. No jogo 6, tudo corria bem: vitória por 3 a 0, faltando apenas 2 innings para o fim (um jogo de baseball tem 9 innings). Enfim, após 58 anos, o Chicago Cubs estava a um milímetro da glória na National League, a um milímetro de voltar a disputar a World Series. A atmosfera no Wrigley Field era a melhor possível. Até que Luis Castillo, do Florida Marlins, rebateu aquela bola fatídica.
A bola voou na direção da arquibancada, muito próxima da beirada: local exato do assento ocupado por Steve Bartman. Ele e os torcedores próximos, instintivamente, se levantaram. Enquanto isso, no campo, o atleta Moisés Alou, do Chicago Cubs, corria para tentar pegar a bola. Se conseguisse, o time estaria ainda mais próximo do triunfo. Mas Steve Bartman esticou o braço, e desviou a bola das mãos de Moisés Alou. O fã Steve Bartman nem sequer ficou com a bola - que escapou por entre seus dedos e foi parar nas mãos de um de seus "vizinhos". Moisés Alou olhou furioso para a arquibancada, certo de que pegaria aquela bola se não fosse a interferência do público.
O momento fatídico de Steve Bartman e Moisés Alou.
A plateia silenciou-se, apavorada. O time do Chicago Cubs estava atordoado, apesar de ainda estar vencendo por 3 a 0. O Florida Marlins iniciou ali uma reação inacreditável, virando o placar para 8 a 3 e vencendo o sexto jogo. As emissoras de TV reprisaram o lance fatídico centenas de vezes. Os torcedores próximos pareciam querer linchar o pobre Steve Bartman, que teve que sair escoltado e disfarçado do estádio.
O sétimo jogo, também disputado no Wrigley Field, foi vencido pelo Florida Marlins, que conquistou assim a National League e foi à World Series.
Steve Bartman era o bode expiatório perfeito para mais um fracasso do Chicago Cubs. (observação adicional: alguns torcedores acreditam piamente que o Chicago Cubs não vence mais por causa da "Maldição do Bode" - uma "praga" que data de 1945 - ano da última World Series disputada pelo time). Bartman passou a ser - contra a própria vontade - uma celebridade nacional. Todos os programas de humor norte-americanos caçoaram do pobre fã. Os torcedores do seu próprio time o odiavam, mesmo sabendo que teriam agido exatamente da mesma forma naquela situação.
Uma das caricaturas de Steve Bartman.
A bola daquele lance foi leiloada em dezembro de 2003 - um restaurante a comprou por US$ 113.824,16. Dois meses depois, a "relíquia" foi destruída em um evento público no próprio restaurante.
A cadeira ocupada por Bartman naquela noite - seção 4, linha 8, assento 113, virou um ponto de peregrinação no Wrigley Field.
Famoso ponto turístico de Chicago.
Steve Bartman já recebeu ofertas milionárias para fazer filmes e propagandas - recusou todas. Não dá entrevistas, e nunca mais foi a um jogo de baseball.
Em 2008, o Chicago Cubs completou cem anos sem vencer a World Series. Até hoje, o time não conseguiu voltar a disputar a grande decisão.
PC
Impossível saber se o jogador de fato pegaria a bola. Quem mais perdeu na história foi o Bartman e o tal restaurante que comprou a bola.
ResponderExcluirUm torcedor maldoso diria que quem mais perdeu na história foi o Chicago Cubs. hehe!
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