Antes de contar a história do jogo final, cabe contar a história de todo o campeonato. O Botafogo era, desde a rodada inaugural, o grande favorito. No início da temporada, o alvinegro contratou o lateral Paulo Henrique e também os tricampeões Carlos Alberto e Brito. É bom lembrar que o plantel já contava com as estrelas de Jairzinho e Paulo Cézar Lima. E a campanha avassaladora foi comprovando o favoritismo botafoguense.
No primeiro turno, no dia 18 de abril, aconteceu o primeiro clássico vovô, para 100 mil pessoas no Maracanã. Segundo o Jornal dos Sports, o árbitro Carlos Costa inventou um pênalti em Jairzinho, aos 18 minutos do primeiro tempo. Paulo Cézar Lima marcou então o gol único da vitória do Botafogo.
O quadro de General Severiano vivia a euforia que precede as grandes catástrofes. O timaço voava em campo e ninguém mais via como perder o título. Paulo Cézar Lima chegou a posar para a Revista Placar com a faixa de campeão no peito. O Fluminense seguia vencendo alguns jogos e empatando outros (a única derrota fora a do pênalti roubado). A 4 rodadas do fim, o Botafogo tinha 4 pontos a mais que o Tricolor. A vantagem parecia mesmo intransponível.
No dia 10 de junho, o Botafogo venceu o Olaria por 3 a 2. Dois dias depois, o Fluminense ganhou do América por 3 a 1. A vantagem permanecia em 4 pontos, faltando 3 rodadas para o término do certame. A certeza do título crescia para cada alvinegro.
Porém, no dia 13 de junho, o Botafogo perdeu para o Flamengo por 2 a 0. Três dias depois, o Fluminense bateu o Vasco por 2 a 0. A camisa tricolor começava a se impor na hora certa. A vantagem botafoguense caía de 4 para 2 pontos.
No dia 19 de junho, um Botafogo pressionado não conseguiu mais do que empatar com o América (1 a 1). No dia seguinte, um Fla-Flu eletrizante e mais uma vitória tricolor: 2 a 0. A vantagem alvinegra era de apenas um ponto, faltando apenas o jogo final, entre... Fluminense e Botafogo!
E então chegou o grande dia. Convocados pelas crônicas de Nelson Rodrigues, os tricolores subiram as rampas do Maracanã. Nas arquibancadas, gerais e cadeiras, aconteceu uma tempestade de bandeiras tricolores e de pó-de-arroz. Os alvinegros também se faziam presentes do outro lado e confiavam no título, pois para eles só faltava um empate. Já o Fluminense precisava vencer, a todo custo.
As declarações dos jogadores aos trepidantes das rádios mostravam que a rivalidade estava à flor da pele. O ponta Zequinha, do Botafogo, afirmou: O Botafogo não perde essa decisão para o Fluminense de jeito nenhum. O lateral Marco Antônio, do Fluminense, declarou: Chegou a hora de ver quem é o bom. Eles falaram o campeonato inteiro, dizendo que as faixas já estavam prontas e tudo mais. Agora vão decidir com o Fluminense, o que não é bola e eles sabem disso.
O primeiro tempo foi um jogo estudado, uma partida de xadrez jogada entre as intermediárias. O único lance perigoso foi a cobrança de falta do tricolor Lula, que raspou na trave do goleiro alvinegro Ubirajara. O Botafogo sofreu uma baixa importante: Carlos Alberto se machucou em choque com Marco Antônio e teve que ser substituído por Mura. No intervalo, a apreensão tomava conta das mais de 140 mil almas presentes no Estádio Mário Filho.
Veio então o segundo tempo, trazendo os últimos 45 minutos do campeonato. O Fluminense lançou-se todo para o ataque: Zagallo pôs Flávio, o herói de 1969, no lugar de Didi. O Botafogo plantava-se na defesa, jogando com o regulamento. Mas seus contra-ataques levavam muito perigo. Aos 10, Zequinha teve boa chance, mas Assis o desarmou na hora exata. A cada minuto que se escoava, o Botafogo se aproximava da taça, e o Fluminense dela se distanciava. Aos 24 minutos, Assis derruba Paraguaio na entrada da área. Paulo Cézar Lima bate com violência, mas Félix voa e espalma a córner. Quanta emoção, quanta dramaticidade!
Faltavam dois minutos para o fim quando aconteceu a jogada que ficará para sempre na memória de todos. Oliveira centra da direita. Flávio empurra Brito. O zagueiro tricampeão no México cai dentro do gol. Marco Antônio dá o salto mais alto de sua carreira e encosta no goleiro Ubirajara. A bola sobra limpa para Lula, que a empurra para as redes. Aquela era a bola do campeonato. Gol! Gol do Fluminense! O árbitro José Marçal Filho corre para o centro do campo, confirmando o tento. Os jogadores botafoguenses reclamam muito. Carlos Roberto é expulso. Os tricolores, que nada têm a ver com isso, comemoram bastante.
O jogo termina, e o Fluminense de Zagallo é mesmo o campeão. O Velho Lobo, dispensado meses antes pelo Botafogo, não perdoa os dirigentes alvinegros. Ele declarou ao Jornal dos Sports: Essa foi uma vitória dupla porque foi sobre um clube, e não me refiro ao Botafogo em si, dirigido por homens que me apunhalaram pelas costas. Agora sim, estou vingado".
Décadas depois, um amigo deste escriba perguntaria a Jairzinho, craque alvinegro que não pôde jogar a decisão, se houve falta no lance fatídico. A resposta de Jairzinho entra para o folclore da batalha: Não foi uma falta; foram trinta faltas. O choro dos botafoguenses continua até hoje. Mas por que eles não se lembram do jogo do primeiro turno, daquele pênalti inventado sobre Jairzinho? Enfim, a discussão ocupará eternamente as esquinas e os botecos do Rio de Janeiro.
O que importa é o troféu de 1971. Ele sorri, feliz, pois repousará eternamente na Rua Álvaro Chaves, ao lado de tantos outros.
Vídeo dos melhores momentos, pelo Canal 100 (reparem no canto da torcida tricolor - "olê, olá, o Fluminense tá botando pra quebrar!"):
- "Clássico Vovô", por Alexandre Mesquita e Jefferson Almeida.
- Clássicos do Fluminense, por Alexandre Magno Barreto Berwanger.
- Jornal do Brasil (edição de 29/06/1971).
Botafogo 1 x 0 Fluminense.
Primeiro turno do Campeonato Carioca de 1971.
Data: 18/04/1971.
Local: Maracanã.
Botafogo: Ubirajara Mota; Carlos Alberto Torres, Brito, Leônidas e Paulo Henrique; Carlos Roberto e Didinho; Zequinha (Roberto Carlos), Careca (Nini), Jairzinho e Paulo Cézar Lima. Técnico: Egídio Landolfi "Paraguaio".
Fluminense: Félix; Oliveira (Toninho), Galhardo (Paulo Lumumba), Assis e Marco Antônio; Denílson e Didi; Cafuringa, Flávio, Ivair e Lula. Técnico: Zagallo.
Gol: Paulo Cézar Lima, de pênalti, aos 18 minutos do primeiro tempo.
Árbitro: Carlos Costa.
Público: 99.991 pagantes (123.229 presentes).
Renda: CR$ 552.843,50.
Fluminense 1 x 0 Botafogo.
Última rodada do segundo turno do Campeonato Carioca de 1971.
Data: 27/06/1971.
Local: Maracanã.
Fluminense: Félix; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Silveira e Didi (Flávio, no intervalo); Wilton (Cafuringa, aos 25 do segundo tempo), Cláudio Garcia, Ivair e Lula. Técnico: Zagallo.
Botafogo: Ubirajara Mota; Carlos Alberto Torres (Mura, aos 35 do primeiro tempo), Brito, Osmar e Paulo Henrique; Nei Conceição e Carlos Roberto; Zequinha (Paraguaio, aos 30 do segundo tempo), Nilson Dias, Careca e Paulo Cézar Lima. Técnico: Egídio Landolfi "Paraguaio".
Gol: Lula, aos 43 minutos do segundo tempo.
Árbitro: José Marçal Filho.
Expulsão: Carlos Roberto, do Botafogo, por reclamação, aos 43 minutos do segundo tempo.
Público: 142.339 pagantes (160.000 presentes).
Renda: CR$ 1.101.128,00.
Brilhante texto!!! Não à toa recebeu diversos elogios por lá. Pq não foi publicado diretamente aqui?
ResponderExcluirPS.: antigamente tudo era uma zona, qualquer coisa e a imprensa inteira entrava em campo.
Comentários no site do Pavilhão Tricolor:
ResponderExcluir1 Quinta, 10 Setembro 2009 03:26 Bernardo Nabuco
Que estreia como colunista, Paulo Cezar!
Ótimo texto! Resgatando nosso passado glorioso.
Saudações tricolores,
Bernardo.
2 Quinta, 10 Setembro 2009 10:24 Zalmir Padrão
Belo texto do Paulo Cezar. Eu tinha 7 meses de vida quando foi realizado este jogo histórico no dia 27/06/71. Não conheço nenhum botafoguense que não reclame deste gol do Lula.
3 Quinta, 10 Setembro 2009 10:29 Marco Aquino
Paulo Cezar, gol de placa como colunista. A estréia não podia ser melhor.
Em 1971 eu tinha 16/17 anos e estava lá, é claro. O jogo foi truncado toda a vida. Aos 42 minutos do 2º tempo a cachorrada começa a gritar "É campeão" e aos 43, meu Deus, que campeonato lindo.
Até hoje os botafoguenses, aqueles que viram e os que não viram também, choram aquele gol.
E ai daquele que disser que não foi falta. Foi sim!!! Com choro é mais gostoso.
4 Quinta, 10 Setembro 2009 11:21 Eraldo Junior
ResponderExcluirMeu pai (que estava lá) pediu pra acrescentar 2 coisas:
1- No final do jogo pouco antes do gol a torcida do botafogo ja comemorava o titulo.
2- Depois do gol eles tacaram fogo nas bandeiras do proprio time na arquibancada.
ST
5 Quinta, 10 Setembro 2009 11:22 Damião Maron de Mello
Grande texto.
FLUZÃO C A M P E Ã O !!!
Apenas uns detalhes, o goleiro deles era um anão e o nosso gigante FELIX, a torcida deles tinha 18 torcedores, a torcida do fluzão tinha o resto (139.982 pagantes).
O foguinho sera eternamente chorão.
FLUZÃO CAMPEÃO !!!!!
6 Quinta, 10 Setembro 2009 12:10 Maria Alice Pereira Salomão
Sensacional este post. Ainda mais pelo registro ser fiel aos acontecimentos. Eu estava com 20 anos e estive nos 2 jogos. No primeiro, o Flu dominou o jogo todo, apesar de no papel contar com um time inferior, segundo a mídia da época. E de fato em um penalti inventado perdemos o jogo. O segundo,o decisivo, foi em um domingo de inverno, mas com céu azul anidro.Uma tarde exuberante e inesquecível. E faltou dizer que já no primeiro tempo, o Botafogo fazia cera, na época o goleiro podia pegar a bola atrasada. E nisso o tampinha do Ubirajara era mestre.
E depois temos que aturar que esse time era um timinho. Com Félix (campeão do mundo), Galhardo (convocado para as eliminatórias em 69), Marco Antônio (campeão do mundo), Flávio ( várias vezes convocado), Ivair (idem) e Lula (idem), portanto um time com 6 jogadores em nível de seleção.
E é verdade também, estivemos em maioria esmagadora no maraca.
7 Quinta, 10 Setembro 2009 12:22 Maria Alice Pereira Salomão
ResponderExcluirPrezados, aproveito a oportunidade para deixar aqui uma crônica escrita, no dia seguinte ao jogo, por um amigo meu tricolor, já falecido.
"Enfim, chegou o grande dia! Domingo de céu azul anidro, 27 de junho, Fluminense e Botafogo decidiriam o Campeonato Carioca de 1971. A soberba que pairou em General Severiano, faltando três rodadas para o final do certame, impediu que o título de campeão fosse comemorado antecipadamente. Lá se foram cinco pontos em três jogos. Mesmo assim, naquela tarde, bastava um simples empate à equipe alvinegra.
Terminado o almoço familiar de domingo, rumei sozinho ao Maracanã. Meus amigos de jornadas tricolores haviam me abandonado, alegando que somente a ajuda divina nos livraria da derrota.
No estádio, já estabelecido junto à torcida pó-de-arroz, sentou-se ao meu lado um simpático senhor aparentando idade para ser meu avô. Assim, acompanhamos a partida cada um a seu jeito: eu nervoso e temeroso, ele sereno e confiante.
O tempo passava, mas o placar teimava em acusar o empate em branco. E ninguém fazia o tempo passar tão bem como aquele goleiro do Botafogo, o Ubirajara Mota. Que ódio!
Então, o distinto senhor me pediu calma, falando baixinho: “Está escrito há milhares de anos que hoje o Fluminense será campeão.”
Eu já havia perdido a esperança, pois o jogo caminhava para o seu final, quando o árbitro da partida apitou falta contra o Botafogo. Eram decorridos 42 minutos do segundo tempo. Logo depois, um grito de “gol”, em uníssono, tomou conta do Mário Filho. Festa em cores verde-branca-grená. Fluminense Campeão!
“Eu não lhe disse?”, sussurrou o meu vovô casual.
Na saída do Maracanã, despedi-me do fortuito companheiro e, agradecendo à sua companhia pé-quente, lhe disse o meu nome. Ele respondeu comentando que tinha sido um prazer me conhecer e sorrindo falou: “Pode me chamar de Almeida”. E logo desapareceu na multidão."
8 Quinta, 10 Setembro 2009 12:51 Leonardo
ResponderExcluirAlô amigos de sempre do Pav Tri. O Paulo César já chegou arrebentando a boca do balão, com a história do nosso glorioso título de 71.
E ganhar título com gols históricos no fimzinho, o Fluzão é o mais especialista do Brasil! Quem não se lembra do Gol de Doval em 76 e do Edinho em 80, ambos contra o vasco e aos 14 minutos do 2º tempo da prorrogação?!! Ou entaum do gol de Assis em 83, do Paulinho em 85, Renato Gaúcho em 95 e Antônio Carlos em 2005?!!!
Éeeeeee galera: qdo o time não vai bem no presente, RECORDAR É SEMPRE VIVER!!! S.T.
9 Quinta, 10 Setembro 2009 13:26 Igor Wolfe
Boa, PC.
Ótima estreia!
Abraço!
10 Quinta, 10 Setembro 2009 14:52 Denis Ayres Machado
Valeu PC,
Belo texto.
Sds Tricolores.
11 Quinta, 10 Setembro 2009 16:40 Sandro de Oliveira Silvino
Parabéns pelo post.
Que domingo possamos comemorar da mesma forma e arrancar para fugir dessa situação vergonhorrorosa.
ST MDMN!
12 Quinta, 10 Setembro 2009 18:08 Jefferson Dutra
Há algum tempo que eu acompanho o PC lá no Jornalheiros. Acompanhar ele agora aqui, vai ser mais que demais!
Parabéns, PC! Como sempre, ótimo post!
E vamo que vamo. ST.
13 Quinta, 10 Setembro 2009 21:48 Carlos Clark
ResponderExcluirExcelente! Bons tempos...
ST
14 Quinta, 10 Setembro 2009 21:50 Rogerio Schmidlin Guilhon Miranda
Excelente PC!
Parabéns!
15 Sexta, 11 Setembro 2009 01:17 Paulo Cezar da Costa Martins Filho
Obrigado a todos pelos elogios ao texto.
Fiquei muito feliz com a receptividade.
Abraços!
PC
16 Sexta, 11 Setembro 2009 17:29 Natália
Muito bom, PC!
É sempre um prazer ler os seus textos.
Eu que te agradeço pelas nossas conversas e pesquisas sobre a história do Flu.
Citação no blog do PC Guima.
ResponderExcluirBons tempos de polemicas e grande rivalidade, que a próxima decisão tenha um carisma, sem controvérsias e brigas, mais muita emoção. Uma pena que o gigante se encontra em obra, seria o palco ideal para a esta decisão de 2012. Abraços Paulo pelo belo trabalho, apesar de ser flamenguista amo ver um bom futebol. Que a nova decisão seja cheia de emoções para que daqui a algum tempo posássemos lembrar com a de 1971. Que saudades. Forte abraço aos amantes do bom futebol.
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