quinta-feira, 29 de abril de 2010

Recordar é viver - Fluminense x Grêmio em 1960


Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1960.

Amigos, hoje o Maracanã viveu uma grande noite. O jogo-desempate pelas quartas-de-final da Taça Brasil, entre Fluminense e Grêmio, teve todos os ingredientes de uma bela decisão. Os trinta mil presentes testemunharam dramáticos 120 minutos de futebol, e também muita briga e muita tensão no gramado.

Nem bem a partida havia começado, e o Fluminense logo marcou seu gol, aos quatro minutos. Foi assim: Waldo entrou na área pelo flanco esquerdo, cortou Ênio Rodrigues para a direita, e passou para Jair Francisco, novamente na esquerda. O zagueiro gremista Aírton tentou proteger a bola para a defesa do goleiro Suli, mas Jair Francisco surgiu esperto entre os dois, e empurrou para as redes. Fluminense 1 a 0, placar que classificaria o Tricolor sem a necessidade de prorrogação.

O gol precoce era tudo que o técnico tricolor Zezé Moreira desejava. O Grêmio foi obrigado a lançar-se todo para o ataque, afinal precisava de pelo menos um gol no tempo normal. Até os reconhecidos defensores Aírton, Ortunho e Ênio Rodrigues iam à frente. E então Zezé pôde implementar sua armadilha, os temidos contra-ataques que consagram suas equipes.

O inspirado ponta Escurinho era o principal articulador dos perigosos contra-golpes. O defensor gremista Figueiró, seu marcador, era superado a cada lance. Em uma das jogadas, o cruzamento para Maurinho foi esplêndido, mas a cabeçada foi bem defendida pelo arqueiro Suli. O grande artilheiro Waldo também desperdiçou excelente assistência de Escurinho, chutando por cima. E assim o Fluminense foi perdendo mais e mais gols feitos durante o primeiro tempo.

O técnico Foguinho, do Grêmio, ao perceber que seu ataque estava inoperante, sacou Jurandir para colocar Juarez. De alguma forma, a substituição potencializou incrivelmente a equipe gaúcha. O Grêmio era outro, muito melhor que o do primeiro tempo, e também superior ao Fluminense, cujos jogadores já demonstravam cansaço (o segundo jogo do confronto havia sido disputado dois dias antes, em Laranjeiras). O quadro carioca estava muito recuado, e não mais conseguia encaixar os venenosos contra-ataques.

A diferença da primeira para a segunda etapa pode se constatar por Castilho. Antes do intervalo, ele poderia ter passado o tempo lendo um gibi na grande área, de tão pouco incomodado que era. Não mais no segundo tempo: agora, os ataques gremistas chegavam à sua meta, de forma que o lendário arqueiro tricolor precisava realizar suas intervenções. É importante ressaltar que Castilho empenhou-se a fundo, e esteve em grande noite. A Leiteria estava em pleno funcionamento.

Aos 33 do segundo tempo, teve lugar a maior polêmica da partida. O gremista Mílton tentou driblar Jair Marinho dentro da área, e os dois caíram na dividida. O juiz Olten Aires de Abreu marcou a penalidade, apesar dos protestos tricolores. Élton converteu a cobrança, e o empate persistiu até o fim do tempo regulamentar. Resultado: uma prorrogação de trinta minutos, para dramatizar ainda mais a decisão.

Terminado o tempo normal, começou a confusão. O furioso técnico Zezé Moreira, revoltado com a marcação da penalidade, partiu para cima do árbitro, na tentativa de agredi-lo. O sururu foi tão grande que sobrou até para o fotógrafo Espanhol, do Correio do Povo de Porto Alegre. Muitos socos, pontapés, empurrões e palavrões depois, a ordem foi novamente estabelecida, para que fosse jogado o tempo extra. Zezé Moreira foi expulso por Olten Aires de Abreu.

As duas equipes, esgotadas fisicamente, jogaram uma prorrogação tensa. Novo empate daria a vaga ao Fluminense, pelo saldo de gols. Houve quatro chances claras, duas para cada lado. Waldo e Jair Francisco desperdiçaram as oportunidades do Fluminense, enquanto Gessi e Juarez perderam os gols feitos do Grêmio. O arqueiro Castilho voltou a agir com muita competência, e acabou garantindo a classificação do Fluminense.

Após o fim da peleja, Zezé Moreira reconheceu que errou, e foi ao vestiário de Olten Aires de Abreu, para pedir desculpas pelo ocorrido. As desculpas foram aceitas, e seguidas por uma ligeira conversa cordial. Na semifinal da Taça Brasil, o Fluminense enfrentará o Palmeiras. O outro finalista sairá do confronto entre Santa Cruz e Fortaleza.

Paulo Cezar Filho

Ficha Técnica
21/10/1960 - Fluminense 1 x 1 Grêmio
Competição: Taça Brasil de 1960 (quartas-de-final, decisão da Zona Sul).
Local: Maracanã (Rio de Janeiro).
Árbitro: Olten Aires de Abreu (SP).
Auxiliares: Antônio Viug e Clinamute Vieira França.
Renda: Cr$ 1.119.961,00.
Público: 26.631 pagantes.
Fluminense: Castilho; Jair Marinho, Pinheiro, Clóvis e Altair; Edmílson e Paulinho; Maurinho, Waldo, Jair Francisco e Escurinho. Técnico: Zezé Moreira.
Grêmio: Suli; Figueiró, Aírton, Ênio Rodrigues e Ortunho; Élton e Mílton; Vieira, Marino, Gessi e Jurandir (Juarez). Técnico: Foguinho.
Gols: Jair Francisco (4'/1T); Élton (pênalti, 33'/2T).
Expulsão: Zezé Moreira, por tentar agredir o árbitro, por conta do pênalti marcado a favor do Grêmio, que acabou levando a partida para a prorrogação.
Obs.: com a persistência do resultado após a prorrogação, classificou-se o FFC por goal-average (placares dos primeiros jogos: GFPA 1 x 0 FFC; FFC 4 x 2 GFPA).

Fontes de pesquisa:
- Pesquisas pessoais de Alexandre Magno Barreto Berwanger.

Este artigo foi publicado também no Pavilhão Tricolor e no Jornal da Flunitor.

5 comentários:

  1. Comentário no Pavilhão Tricolor:

    1 Quinta, 29 Abril 2010 11:17 Alfredo Dutra
    Não me lembrava dessa partida, mas foi ótimo recordá-la. Esse time que jogou estava quase que completo. Faltou Telê no lugar de Jair Francisco. Aliás, considero esse time, que foi campeão carioca de 1959, um dos mais perfeitos de toda a história tricolor. Jogava por música, tinha uma defesa quase intransponível e um contra-ataque mortal com a velocidade de Maurinho e Escurinho e o oportunismo de Waldo.

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  2. Zezé foi um MITO no Bahia, PC, um mestre! Saudades eternas!

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  3. Mais um comentário no Pavilhão Tricolor:

    2 Quinta, 29 Abril 2010 21:34 Ivo
    Com relação ao Waldo, a sua venda para o futebol espanhol foi uma pena. O Futebol do Fluminense teria obtido mais títulos com a presença do artilheiro. Quando Flávio chegou em 1969, Nelson Rodrigues escreveu estávamos orfãos de um artilheiro desde da venda de Waldo. O Laranjeiras Social Clube vendeu Waldo em detrimento das vitórias e Títulos, e depois repetiria a dose com o Flávio. Waldo foi o maior artilheiro da História do Fluminense e as projeções indicam que caso tivesse continuado jogando pelo Fluminense teria sido o maior artilheiro da História do Futebol Carioca em todos os tempos , superando Zico e Roberto Dinamite . Infelizmente o Laranjeiras Social Clube não deixou. Flávio em três anos fez 99 gols, a maior média de gols da História do Clube, vendido para Portugal.

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  4. Sensacional o texto!
    Conseguiu fazer como Nelson Rodrigues, pude ver as imagens do duelo que não presenciei.

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  5. Aírton, Ortunho e Ênio Rodrigues, os três maiores craques do melhor Grêmio de todos os tempos, de uma época em que a técnica prevalecia sobre a mera força física!

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