As roletas registraram 15.312 presentes no Estádio da Gávea. Eles foram as testemunhas oculares de uma das mais dramáticas partidas de futebol já realizadas. Cabe lembrar que o Fluminense tinha a vantagem do empate, ao passo que o anfitrião Flamengo precisava vencer a qualquer custo. O Tricolor tinha o desfalque de Spinelli. Em seu lugar, o técnico pó-de-arroz, o uruguaio Ondino Viera, escalou o já veterano Brant, de 35 anos. O substituto natural era Og Moreira, mas Ondino preferiu desafiar a lógica.
Os primeiros vinte minutos da peleja foram marcados por um intenso equilíbrio, até o primeiro cochilo da defesa rubro-negra. Carreiro se aproveitou, fez bela jogada, e passou para Pedro Amorim, que marcou o gol inaugural. O placar anunciava: Fluminense 1, Flamengo 0, em pleno Estádio da Gávea.
Como era natural, a equipe rubro-negra se desesperou. Cinco minutos após o gol do Fluminense, Biguá cortou a bola usando a mão, dentro da área. E fez pior: acusou o erro, levando as mãos à cabeça, em absoluto desespero. Porém, o árbitro José Ferreira Lemos, talvez pressionado pela massa rubro-negra que se apertava nas arquibancadas, preferiu marcar apenas a falta, fora da área. Os protestos tricolores foram em vão. E então Pedro Amorim cobrou a infração, lançando para a área. Afonsinho tentou a cabeçada por três vezes. No último toque, a pelota sobrou para Carreiro, que passou para Russo. Adolpho Milman não perdoou: o chute foi perfeito, indefensável até mesmo para Yustrich. Fluminense 2, Flamengo 0. E o empate ainda era tricolor. Para muitos, o placar era irreversível. Mas, quando Flamengo e Fluminense se encontram, tudo pode acontecer e cada minuto fica melhor do que o minuto que passou.
Ocorreu o que era esperado: o Fluminense recuou e o Flamengo lançou-se todo à frente. Aos 35, Russo fez falta em Volante. Jaime cobrou para a área, Batatais e Renganeschi ficaram indecisos, e Pirillo se aproveitou para descontar. Fluminense 2, Flamengo 1. E a massa rubro-negra voltou a se acender nas arquibancadas. Os jogadores tricolores mostravam um nervosismo além da conta, para quem ainda tinha uma boa vantagem. Na base dos chutões para a frente, a equipe de Ondino Viera conseguiu aguentar a pressão, levando o vantajoso resultado de 2 a 1 para o intervalo.
O Fluminense voltou melhor para o segundo tempo, buscando o ataque. Convenhamos, atacar é a melhor forma de se defender e Ondino sabia bem disso. Mas do outro lado havia os onze craques do Flamengo, tentando o empate de todas as maneiras. O jogo ganhou contornos de dramaticidade, crescendo tanto em qualidade quanto em emoção. O árbitro José Ferreira Lemos não conseguia controlar os ânimos exaltados dos jogadores. Certa hora, Pedro Amorim passou a Romeu Pelliciari e o craque lançou Russo. Adolpho Milman chocou-se com Domingos da Guia e Newton e a bola saiu pela linha de fundo. Yustrich quis bater o tiro de meta rapidamente, mas Carreiro bicou a pelota antes, para que Russo fosse atendido. O goleiro rubro-negro irritou-se, pegou Russo nos próprios braços e o carregou para fora do campo.
Aos 40 minutos, aconteceu o pior para as pretensões do Fluminense: Reuben invadiu a área e chutou cruzado, com violência. Batatais defendeu parcialmente, mas a bola sobrou para Pirillo empatar em 2 a 2. Pouco depois, o Fluminense dava novamente a saída de bola. E então começaram aqueles quatro minutos.
Ah, aqueles quatro minutos foram dramáticos, valeram por todo o jogo. Rubro-negros, tricolores e até mesmo os observadores absolutamente neutros não podiam se conter. Por exemplo, o Gastão Soares de Moura: que drama não viveu o presidente da Federação, adepto fanático do Fluminense, como todos sabem. A quem o observasse atentamente, o Gastão dava a impressão de estourar. Era possível sentir mesmo sua agonia na carne e na alma. O dirigente da entidade guanabarina não fumava mais: comia o charuto! De uma feita, tão nervoso estava, mirou o charuto e levou o relógio à boca!
Cenas como essa, presenciamos às centenas. Os tricolores chegaram a contar como certa a vitória, principalmente quando Russo marcou o segundo gol. Mas o correr do tempo alterou inteiramente a face das coisas. Falei em correr do tempo e vale dizer mais: cada segundo que se escoava deixava o Fluminense mais perto do título, e o Flamengo mais longe da glória.
Para os tricolores, parecia que o tempo não andava mais. Já os adeptos do Flamengo se desesperavam a cada defesa do heróico goleiro Batatais. Escrevi heróico e repito: heróico! Batatais mal conseguia se sustentar em pé, tamanha era a dor que sentia no braço, que havia sido pisoteado por Pirillo minutos antes (sua clavícula estava deslocada). A tensão tomou conta de vez da atmosfera tricolor quando Carreiro foi expulso por José Ferreira Lemos. Com um Batatais contundido, um Brant fisicamente esgotado e um homem a menos, o Fluminense dificilmente conseguiria manter o resultado. Então, os defensores tricolores utilizaram uma tática improvisada: isolar a pelota na Lagoa Rodrigo de Freitas. Cada bola isolada retardava o reinício da partida em preciosos segundos. O expediente foi utilizado exatamente três vezes, mas o árbitro José Ferreira Lemos não se deixou enganar e deu nove minutos de acréscimo. E aqueles quatro minutos então se transformaram em treze. Mas se perguntarem a uma testemunha tricolor, ela provavelmente dirá, revoltada: Treze? Aquilo durou muito mais que treze voltas do ponteiro no relógio!.
Romeu Pelliciari, o craque do quadro tricolor, foi de muita importância naqueles quatro, ou treze, minutos. Ele resolveu que ficaria com a posse da bola até o final da batalha. Ontem, mais do que nunca, Romeu foi um craque excepcional. Ele pegava a bola, fingia que ia e não ia, e às vezes ia mesmo. E não largava a pelota, prendendo-a, caminhando, correndo com ela, dando voltas, alongando caminhos, avançando e recuando. Os jogadores do Flamengo não sabiam mais o que fazer e no desespero começaram a cometer faltas em Romeu. Na cobrança, os tricolores passavam a bola novamente para Romeu, que continuava a protegâ-la com maestria, até sofrer nova falta.
Não possuísse o Tricolor um santo muito forte e a estas horas a taça estaria na Gávea. Mas veio o doce apito final do match e o Fluminense conquistou o bicampeonato. Os jogadores tricolores, notadamente os da defesa, foram unânimes ao afirmar que um campeonato quase não compensa o drama que eles viveram naqueles quatro minutos. Foram os minutos mais longos da minha vida, disse Batatais. Brant, o veterano escolhido para substituir Spinelli, comentou: Quando ouvimos o apito final, estávamos extenuados, mas a alegria pelo empate foi tão grande que o cansaço passou logo. Foi um jogo sensacional e o título veio com ele.
A conquista comprova a hegemonia do Fluminense Football Club no cenário brasileiro.
Campeão em 36, 37, 38, 40 e 41, o Tricolor não deixa dúvidas sobre qual é o melhor time de futebol do Brasil.
A taça de 1941 finalmente sorri, pois é mais uma na abarrotada sala de troféus da rua Álvaro Chaves.
Muito bom esse "Recordar é viver"!!!
ResponderExcluirCertamente o melhor que já li.
Deu pra sentir um pouco da atmosfera desse encontro histórico. E com a vitória de um dos melhores quadros, se não o melhor, da história Tricolor fica ainda melhor!
Comentários no site do Pavilhão Tricolor:
ResponderExcluir1 Quinta, 01 Outubro 2009 09:54 Adib Murad
O próximo será o Fla-Flu da redenção, vocês vão ver. Um urubu comido com farofa pra exorcizar o fantasma do rebaixamento. Saravá!
2 Quinta, 01 Outubro 2009 11:03 Sergio Antonio Belchior da Mota
Marcelo de Lima Henrique apitará o fra X Flu.
seremos roubados como sempre somos quando esse urubu safado apita jogos contra o time do Império do mal.
Precisamos fazer muito barulho contra essa safadeza!
3 Quinta, 01 Outubro 2009 11:11 Carlos Clark
Eu não acredito em coincidência. Sempre esse cara no Fla x Flu? Ou quando o Flamengo "precisa" ganhar? Alô Tenório! Alô Bittencourt!
4 Sexta, 02 Outubro 2009 05:09 Paulo Cezar da Costa Martins Filho
Também estou revoltado com a escalação desse torcedor do Flamengo travestido de juiz. Desanima...
Na minha opinião, esse time de 1941 foi o maior esquadrão tricolor de todos os tempos. Chamam o time de 1976 de Máquina. Isso foi porque não viram o time de 1941. Hoje se tem mais divulgação. Mais mídia. Para saber sobre esse fenomenal time, só buscando em enciclopédias antigas, registros históricos e conhecimento dos torcedores mais antigos. Entre 1936 e 1943, o Fluminense teve um dos times mais temidos do Brasil. Detalhe: o time contava com vários argentinos, dentre os quais: Malazzo, campeão argentino com o River Plate em 1936, e o fantástico Rongo, glória também do River e o maior artilheiro do Fluminense em média de gols. Em 1941, esse timaço estabeleceu um recorde: 106 gols no Campeonato Carioca. Foi nesse ano que o Flu estabeleceu também sua maior goleada contra o Vasco: 6 x 2. Contra o Bangu, que também tinha um grande time, ganhamos por 11 x 1. Salvo engano, neste jogo o Rongo marcou 6 gols! Quando for ao Rio, vou propor ao Peter uma seção histórica para resgatarmos esses grandes jogadores, esses grandes times. É triste ver o quanto é amador o clube no que diz respeito a marketing e memória de seus ex-jogadores. ST!
ResponderExcluirMarcel Cezar,
ResponderExcluirEu tendo a concordar com você, sobre esse Fluminense ser o melhor de todos os tempos.
A hegemonia entre 1936 e 1941 não tem paralelo na história do futebol brasileiro.
Uma verdadeira Máquina Tricolor!
É triste ver o quanto é amador o clube no que diz respeito a marketing e memória de seus ex-jogadores. [2]
ResponderExcluirEmbora os depoimentos testemunhais, andaram dizendo que não havia um relato de época na imprensa sobre as famosas bolas na Lagoa, do histórico Fla-Flu de 1941.
ResponderExcluirPois aí, vai ( O Globo Esportivo,edição o line 171 de 1941, página 5 ):
http://memoria.bn.br/DOCREADER/DOCREADER.ASPX?BIB=104710