Maracanã

Sei que alguns me chamarão de saudosista, mas não consigo ficar quieto: o que estão fazendo com o nosso Maracanã?

Concordo que as reformas anteriores foram paliativas: não resolveram os principais problemas, não curaram as principais doenças do nosso sessentão estádio. (E foram muitas reformas: em 1992, após a tragédia da final do Brasileirão; em 1999, para o Mundial de Clubes da FIFA; em 2005, para os Jogos Pan-Americanos...)

Mas o que estão fazendo agora não é reforma: é uma demolição disfarçada. Deixaram apenas o casco externo: o resto veio abaixo. Aquele cimento histórico, molhado por tantas lágrimas brasileiras, tricolores, flamenguistas, vascaínas, botafoguenses, palmeirenses, santistas, corinthianas... não existe mais.

As cadeiras do setor inferior foram instaladas na reforma de 2005-06: tinham, portanto, apenas cinco anos de uso. Eram confortáveis, e a visão do campo de jogo era boa, sem pontos cegos como antigamente. O escoamento do público naquele setor também era satisfatório. Qual a justificativa para tirar aquelas cadeiras dali? Torrar o dinheiro público?

Em tempo: as arquibancadas precisavam mesmo de mudanças: as "cadeiras" (instaladas em 1999) não eram confortáveis, e o escoamento do público era insuportavelmente lento (porque alguma mente brilhante resolveu fechar as rampas superiores).

A justificativa de "se adequar aos padrões da FIFA" não me convence. Primeiro, porque a reforma de 1999 fora exatamente para se adequar aos tais padrões. Segundo, porque os tais padrões não são lá tão exigentes assim (vejam a excelente matéria de Mauro Cezar Pereira, mostrando pontos cegos nos estádios sul-africanos da Copa do Mundo de 2010).

A reforma, inicialmente orçada em 700 milhões de reais, já foi reavaliada para mais de 1 bilhão de reais. Tudo financiado com dinheiro público.

Para piorar, o ex-Maior do Mundo terá seu tamanho ainda mais reduzido. O colosso que recebeu 200 mil almas na final da Copa de 1950, 194 mil no Fla-Flu de 1963, e vinha recebendo 90 mil nos grandes jogos recentes, terá a partir de 2014 um público máximo de 76 mil. Até o sagrado gramado terá suas dimensões reduzidas: dos espaçosos 110 m x 75 m, para os apertados 105 m x 68 m. Recomendações da FIFA...

E ninguém protesta. Escuto apenas vozes isoladas: a de Mauro Cezar Pereira, a do amigo Paulo-Roberto Andel, a do "Luzíada" Marcelo, a minha... A única instituição a protestar, ainda que discretamente, foi o Fluminense FC, no ano passado (e somente por causa do prejuízo técnico causado pela transferência dos seus jogos no Brasileirão).

Para piorar, ainda somos obrigados a escutar a ladainha de que sediar os grandes eventos (Copa do Mundo e Olimpíada) nos trará retorno financeiro. Mentira das feias! O custo total da preparação para os dois eventos está na casa das dezenas de bilhões de reais. Os gastos dos turistas que virão para cá nos dois meses de competições não chegarão sequer perto dessa soma astronômica. Os dados econômicos das últimas cidades-sede ao redor do mundo também demonstram que o turismo não aumenta significativamente após os eventos.

Claro, haverá as melhorias de infra-estrutura, que permanecem para uso da população. Porém, é fácil enxergar que estas mesmas melhorias poderiam ser feitas sem a Copa, sem a Olimpíada. E a um custo muito menor para a população.

Espero, de coração, que entreguem em 2014 um Maracanã irretocável, um estádio de primeiro mundo, que dê prazer de frequentar. Caso contrário, a demolição terá sido em vão: nossas lágrimas impregnadas naquele cimento sagrado terão evaporado por nada.

PC