Amigos, diante de 120.418 pessoas* no Maracanã, Flamengo e Fluminense decidiram mais uma vez o Campeonato Carioca. Ressaltemos as palavras eternas de Nelson Rodrigues: em todo o mundo não há um jogo que chegue aos pés do Fla-Flu, que é cada vez mais empolgante. Cada jogo entre o Fluminense e o Flamengo parece ser o maior do século, e assim será eternamente. O Fla-Flu não tem começo, o Fla-Flu não tem fim. O clássico das multidões começou quarenta minutos antes do nada.
"O primeiro zero a zero,
O segundo três a um,
O terceiro foi quatro a três,
E o Flamengo virou freguês!"
Assim cantou a torcida do Fluminense, naquele chuvoso domingo, antes do início da partida. A legião tricolor se referia aos três Fla-Flu's anteriores daquele certame. A galera pó-de-arroz fez bem ao relembrar a campanha. Sim, porque um título não se conquista em uma única tarde. Não. Um título é todo sangue, todo suor e todo lágrimas de um campeonato inteiro.
Relembremos a fantástica jornada: o Fluminense montou um time de operários, comandado por Joel Santana, com folha salarial três vezes menor que a do Flamengo. Ao passo que, para comemorar seu centenário, o clube da Gávea contratou um verdadeiro escrete. Até Branco, ídolo tricolor, reforçou as linhas rubro-negras. E o que dizer da contratação de Romário, o melhor jogador do mundo? Ainda tinha o Sávio, a maior revelação do futebol brasileiro. Também estava lá Vanderlei Luxemburgo, o técnico bicampeão brasileiro pelo Palmeiras. Não havia dúvidas: o favorito do ano era mesmo o Flamengo**.
Logo na estréia, perdemos para o Madureira em Conselheiro Galvão (0 x 1, 28/01). Parecia que seria mais um ano de vacas magras em Álvaro Chaves. Vivíamos o maior jejum de nossa história: longos nove anos sem títulos. A torcida tricolor não agüentava mais sofrer. Veio o primeiro Fla-Flu, estréia de Romário e o empate (0 x 0, 12/02). Um mês depois, veio a vitória no segundo Fla-Flu (3 x 1, 12/03)! E a torcida pó-de-arroz voltou a ter esperanças.
Porém, começamos o octogonal final em desvantagem gigantesca. Éramos o único grande sem pontos extras: o Vasco tinha 1, o Botafogo tinha 1, e o Flamengo tinha 3. Para piorar, empatamos com o América (0 x 0, 26/03) e perdemos para o Botafogo (0 x 1, 02/04). Ao final da segunda rodada, o Flamengo liderava, com oito pontos a mais que o Fluminense (2 vitórias e 3 pontos extras). A vantagem rubro-negra parecia infinita. Mas então se iniciou a fantástica caminhada tricolor: do caos para a liderança. Do caos para a liderança, repito, essa foi a nossa épica jornada! Vencemos o Vasco, o Volta Redonda e o Entrerriense (3 x 2 de virada, 3 x 1, e 4 x 1). E então veio o terceiro Fla-Flu: ah, doce e santa vitória por 4 a 3!
Então, vencemos o Bangu e o América (1 x 0 e 1 x 0), e empatamos com o Botafogo (0 x 0). Continuando, o Flu bateu o Bangu de novo (1 x 0) e empatou com o Vasco (0 x 0). Depois, vieram as vitórias sobre Volta Redonda e Entrerriense (2 x 0 e 3 x 0), e chegamos ao grande dia. O dia do quarto, decisivo e eterno Fla-Flu!
Ao Flamengo, dono da melhor campanha, bastava o empate. Para o Fluminense, era vencer ou morrer. Os 120.000 fanáticos coloriam as arquibancadas, gerais e cadeiras do maior templo do futebol. De um lado, a massa rubro-negra, "proprietária da empolgação e senhora das arquibancadas, espalhando o pólen da auto-confiança". Do outro, a legião tricolor, "não menos empolgada, não menos confiante, mas com menos pessoas no estádio, na proporção de 2 para 1".
Já disse que chovia. Repito e amplio: chovia demais. Desabava muita água sobre a cidade do Rio de Janeiro. Com a lama e as poças, o esforço dos jogadores era triplicado, dando uma dimensão de guerra ao Fla-Flu. E, nesse cenário, o inexcedível ímpeto tricolor começou a sobressair. Aos 30 minutos, Leonardo acha Rogerinho, que passa a Renato, e ele marca: 1 a 0 para o Flu. Aos 42, Renato briga pelo rebote do goleiro Roger, e toca para Leonardo: 2 a 0! A torcida tricolor, emocionada, começava a vislumbrar o fim do jejum:
"Não é mole não, chegou a hora de gritar é campeão!"
Não havia chegado a hora ainda. Abençoado seja o Fla-Flu, imprevisível, emocionante e cheio de alternativas! Branco cobra falta, e a bola explode no travessão! A torcida rubro-negra viveu o seu grande dia no Estádio Mário Filho: empurrou o time com uma pressão extraordinária. Aos 26 do segundo tempo, pela primeira vez na carreira Romário marca um gol no Fluminense. O tricolor Sorlei e o rubro-negro Marquinhos são expulsos na briga pela bola no fundo da rede.
Dez contra dez, mais espaços em campo, e só faltava um gol para o Flamengo. A maior torcida empurrava o rubro-negro para a glória. E, aos 32, acontece o diabólico empate: Fabinho, o volante perna-de-pau, faz uma jogada digna de Cruyff, Rummenigge, ou Pelé: dá o drible e desfere o chute mortal. 2 a 2. Agora, a torcida do Flamengo não vê mais como perder o título.
O Fluminense, que jogara por música no primeiro tempo, parecia fulminado. Lira perdeu a cabeça, deu uma tesoura e foi expulso pelo árbitro Léo Feldman. Nove contra dez. Alguns tricolores começaram a ir embora. Os flamenguistas gritavam "é campeão".
Mas... abençoado seja o Fla-Flu, imprevisível, emocionante e cheio de alternativas! Ronald tem a bola na meia-direita, e toca na ponta-direita para Aílton, que invade a área. "Chuta, chuta, chuta!", implorava eu, com meus pensamentos de menino que nunca havia visto o Fluminense campeão. Antes de chutar, Aílton dribla para a esquerda, e dribla de novo para a direita, entortando Charles. "Ai, meu Deus!". Veio então o disparo de perna direita. Aquele não era apenas um chute a gol: era o lance de todo o campeonato. Para mim, era mais até do que isso: era o lance mais importante da história do futebol.
E então ocorre o desvio na barriga de Renato, e o gol! Era o golpe que ficou, fica e ficará para sempre na memória de todos. Era a vitória, era o título! Fluminense, campeão carioca de 1995!
Amigos, nossa humildade pára aqui. Passamos todo o campeonato com um passarinho em cada ombro, e as duras e feias sandálias nos pés. Agora, podemos soltar o grito de "é campeão". Como disse o técnico Joel Santana, quem esperou nove anos tem que comemorar nove anos. A música do final, ao mesmo ritmo da inicial, exaltava a conquista:
"O segundo três a um,
O terceiro quatro a três,
O quarto foi três a dois,
E o campeão é o pó-de-arroz!"
E daqui a trezentos anos, o Rio de Janeiro dirá, mordido de nostalgia: "Aquele Fla-Flu!".
PC
* O público presente foi de 120.418 pessoas, e o público pagante foi de 112.285 pessoas.
** Ainda havia os nada desprezíveis times de Vasco e Botafogo. O Vasco mantinha a base que havia sido tricampeã (1992/93/94). O Botafogo tinha o segundo melhor time de sua história, que ganharia o título mais importante da história do clube no final do ano.
*** A charge é do amigo Lucas Guerra. Quem quiser ver a versão detalhada, é só clicar nela.
Escalações:
Fluminense: Wellerson, Ronald, Lima, Sorlei e Lira; Márcio Costa, Aílton, Djair e Rogerinho, depois Ézio; Renato Gaúcho e Leonardo, depois Cadu. Técnico: Joel Santana.
Flamengo: Roger, Marcos Adriano, depois Rodrigo, Gelson, Jorge Luís e Branco; Charles, Fabinho, Marquinhos e William, depois Mazinho; Romário e Sávio. Técnico: Vanderlei Luxemburgo.
Vídeo do Globo Esporte do dia seguinte (gravado pelo amigo André Freire):
Vídeo da TV Globo relembrando o jogo:
Outros textos sobre o maior Fla-Flu de todos os tempos:
ResponderExcluirhttp://blogdobirner.net/2008/02/10/hoje-tem-fla-flu/
http://www.arquibar.com/2009/01/aquele-carioca-de_21.html
http://www.campeoesdofutebol.com.br/especial10.html
Fantástico, como sempre. Parabéns, PC =)
ResponderExcluirDivulgação em comunidades:
ResponderExcluirFluminense
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=28077&tid=5351235938909951190
Legião Tricolor
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=19830523&tid=5351316770202566961&na=4
Young Flu
ResponderExcluirhttp://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=47495812&tid=5351326279408801845&start=1
Muito bom, PC! Toda vez que leio sobre este Fla-Flu me dá uma saudade....
ResponderExcluirFicou ótimo o texto... melhor ainda a ilustração! rsrss
Poderia só ter colocado meu email pra contato, né! hehehe tenho que ganhar peixe, né? rsrsrs
Abraços e ST!
O MAIOR TÍTULO DO FLUMINENSE FOOTBALL CLUB.
ResponderExcluirMuito bom PC. Várias recordações dessa época. Eu havia pedido para um amigo comprar o ingresso, mas não conseguiu. Tive que assistir em casa. Mas até que não foi tão mal: conheço gente que foi embora antes do fim, e teve que comemorar o gol do lado de fora... isso deve ter sido triste.
ResponderExcluirE dá-lhe Joel. Aquele título foi ele quem fez.
Abs,
ALan
Foi o maior FlaFlu de todos os tempos...
ResponderExcluirCitação desse texto no orkut:
ResponderExcluirhttp://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=54912860&tid=5379074276279657787&na=3&nst=11&nid=54912860-5379074276279657787-5379077175862829664
Citação no blog do Garcez.
ResponderExcluirÉ cara, este campeonato foi o 1° que acompanhei indo ao maraca... Fui feliz sendo campeão. Boas lembranças ao lado do meu saudoso pai. Parabéns...
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