(por
Ricardo Tenório, em
O Globo de 21/12/2013)
Nos últimos dias, a sociedade brasileira foi convertida num imenso Fla-Flu. O acontecimento que deflagrou o processo foi a escalação irregular de dois jogadores de futebol que disputaram o Campeonato Brasileiro. O debate foi patético e pautado pelo cinismo, mas, diante dos ataques sofridos pelo Fluminense, não é possível deixar de propor algumas reflexões aos torcedores em geral.
Há uma espécie de Constituição para o futebol. Trata-se do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. E ele não pode ser mais cristalino ao fixar perda de pontos para o atleta em situação irregular. Foi esse o entendimento do STJD ao decidir punir Portuguesa e Flamengo. E, por irônico que pareça, graças à punição sofrida pela Portuguesa, o Flamengo permanecerá na primeira divisão em 2014.
O mesmo acontecerá com o Fluminense, para incômodo de seus rivais. Fosse um clube de menor porte, e nada teria sido dito ou comentado. Mas foi o Fluminense, o que de imediato produziu reação em cadeia. Nenhum dos que vieram a público atacar o Fluminense desconhece a lei. Agiram movidos por clubismo ou má-fé.
O Fluminense não moveu um só músculo para que as irregularidades cometidas por Flamengo e Portuguesa fossem denunciadas. Quem o fez (e o fará sempre que for constatada uma irregularidade) foi a CBF. Nem por isso o clube tem deixado de ser retratado como vilão. Foi dito (e continua a ser) que estava recorrendo ao tapetão ou virando a mesa. Tudo isso sem que tivesse sido autor de uma só denúncia ou de uma mera ação judicial. Um leigo que se deparasse com o acalorado debate dos últimos dias pensaria que o réu do processo era o Fluminense, não duas outras agremiações.
A lei não proclama o que se quer ouvir? É como se dissessem: “Pior para a lei e para a Justiça! Que sejam ignoradas!”. Recorrem então ao discurso da ética e da moral, como se qualquer das duas pudesse prosperar à margem da lei. Vasculham e distorcem o passado para atacar o Fluminense, como se o passado estivesse em questão. Ignoram deliberadamente que outros clubes, os supostamente indignados, caem em contradição a todo momento. O presidente de um deles disse que jamais recorreria ao tapetão, esquecendo-se de que o fizera meses antes, mas não se chamou atenção para o fato.
O STJD decidiu em primeira instância que os clubes infratores devem ser punidos com a perda de pontos. Isso não encerra a questão. Por dois motivos: cabe recurso e, acima de tudo, porque prosseguirá a falsa cruzada pela moralidade. Tudo mentira, cinismo, balela. O que não querem é ver o Fluminense na primeira divisão. Se o Flamengo estivesse no lugar do Fluminense em toda esta polêmica vazia e desnecessária, desde o início a maioria dos que hoje se “indignam” estaria calada, celebrando em silêncio ou mesmo assumindo o discurso de defesa da legalidade.
O respeito à lei que se defende na aplicação aos crimes de corrupção deixa de ser relevante quando está em jogo o regozijo de ver um rival cair. É o caso de pensar se a mesma energia que se vê agora direcionada para atacar o Fluminense não devia ser canalizada para cobrar melhorias em áreas como saúde e educação, reivindicar avanços no transporte público ou na infraestrutura do país.
Um jogador do Fluminense já foi hostilizado publicamente. É o que se deseja? Todos estão cientes da enormidade do mal que pode causar uma mentira repetida muitas vezes. O patético dos últimos dias faz lembrar “O rinoceronte”, peça de Eugène Ionesco. Muitos já a interpretaram como uma alegoria do que a irracionalidade é capaz, especialmente em regimes totalitários. Na peça, as pessoas se transformam em bestas imunes à razão. Em dado momento, um dos personagens afirma: “O medo é irracional. A razão deve vencê-lo.”. Não é o que acontece. Apenas um dos personagens resiste a se converter em rinoceronte. A peça chega ao fim com seu brado de defesa da razão e da liberdade: “Contra todo o mundo, eu me defenderei! Eu me defenderei contra todo o mundo! Sou o último homem, hei de sê-lo até o fim! Não me rendo!”.
(Ricardo Tenório, empresário, foi vice-presidente de futebol do Fluminense em 2009.)
Irretocável.
ResponderExcluirDesde que o leitor seja honesto.
O TAL PRESIDENTE DA LUSA:
ResponderExcluirhttp://blogdotricolorverdadeiro.blogspot.com.br/2013/12/a-desorganizacao-administrativa-da.html