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(charge de Mário Alberto) |
A 23 de agosto de 1912, no Recife, nascia Nelson Rodrigues. Um dos maiores pensadores da história brasileira. Um frasista de mão cheia. O maior cronista esportivo de todos os tempos. É impressionante: não se lê uma crônica de Nelson sem se encontrar uma pérola. A genialidade está presente em praticamente tudo que ele escreveu. Em homenagem ao centenário, seguem alguns trechos de seus textos.
"Reacionário, no meu caso, é a reação contra tudo o que não presta. Se o homem não fosse eterno, ou não tivesse uma alma eterna, não tivesse garantido a sua eternidade, esse homem andaria de quatro. Toda manhã sairia de quatro, ferrado, aí pelas ruas e montado num Dragão de Pedro Américo. Eu diria, quando me perguntam, como você agora: mas quando, quando começou o Fla-Flu? Eu diria: – O Fla-Flu não tem começo. O Fla-Flu não tem fim. O Fla-Flu começou quarenta minutos antes do nada. E aí então as multidões despertaram. E Mario Filho, já então, antes do Paraíso, escrevia sobre o Fla-Flu e dizia que o Fla-Flu ia ser o assombro do futebol, o milagre do futebol."
"Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos."
"Aí é que está: – sem futebol esse povo fica neurótico. O carioca nem precisa ir ao campo e pode passar sem rádio. Mas precisa saber que há um jogo à mão e que o Maracanã está aberto. Amigos, outro aspecto considerável de nossa vida futebolística: o estádio vazio deprime a cidade. É preciso, para a nossa alegria, que ele esteja cheio e vibrando. Gostamos quando o Maracanã transborda e há gente pendurada até no lustre."
"Eu digo 'espírito esportivo' com uma nova atitude diante do mundo e dos valores da vida. Hoje, já sabemos que não se é nada, não se faz nada, não se atravessa uma rua – sem ele, espírito esportivo. Nas mínimas reações, sentimos que o brasileiro é mais forte e repito: – mais forte que a fatalidade. Ele não se entrega, não capitula. Uma crioulinha favelada tem o ímpeto de uma Joana D’Arc. Nas fábricas, no escritório, no balcão, e mesmo nas brigas de namorado – o brasileiro é mais seguro de si e mais dono do próprio destino. Sim, o espírito esportivo dá as relações humanas no Brasil – uma fraternidade docemente infinita."
"Eu já fiz um apelo aos tricolores, vivos ou mortos. Ninguém pode faltar ao Maracanã domingo. Incluí os fantasmas na convocação, e explico: a morte não exime ninguém de seus deveres clubísticos."
"Amigos, é justo que o craque seja tratado a pires de leite como uma gata de luxo. Não importa que ele seja indolente como a própria gata de luxo. O gênio da bola não gosta de se matar em campo. Enquanto o jogador medíocre trabalha, faz mais força que o remador de Ben-Hur, o craque passeia na grama."
"Quando o Fluminense precisa de número, acontece o suave milagre. Os vivos, doentes e mortos sobem as rampas. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas, e os mortos de suas tumbas."
"Amigos, de vez em quando aparece um vascaíno irado, a reclamar: – 'Você não escreve sobre o Vasco!' Pausa e acrescenta, numa irritação maior: – 'Você só escreve sobre o Fluminense'. E, de fato, não há segredo. Todo mundo sabe que existe entre mim e o tricolor um vínculo sagrado. Sou 'pó de arroz' desde cinco anos. De mais a mais, gostar de alguém ou de um clube é um mérito. Triste é não ter um clube. Triste é não ter um amor."
"Amigos, estarei descobrindo a pólvora se disser que o Fla-Flu é o maior jogo do Brasil (e, se me permitirem, o maior jogo do mundo). Antes, era um simples Fluminense e Flamengo. Mario Filho não tinha ainda descoberto a abreviatura que ficaria para sempre: – Fla-Flu. E o Fla-Flu caiu na boca do povo. O clássico passou a fascinar as multidões. Quando os dois medem forças é uma festa carioca. Os carros em disparada, as bandeiras ventam em procela. O impressionante no Fla-Flu é que sempre é grande jogo. Noventa minutos de tensão dionisíaca. O torcedor vai para casa emocionalmente exausto."
"O Fluminense é o único time que tem o amor dos mortos. O Gravatinha não me deixa mentir. Falecido em 1918, quando a gripe espanhola já não matava mais ninguém, é, ainda hoje, um fidelíssimo torcedor do clube."
"Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar."
"A imparcialidade só merece a nossa gargalhada."
"Aí é que está: – sem futebol esse povo fica neurótico. O carioca nem precisa ir ao campo e pode passar sem rádio. Mas precisa saber que há um jogo à mão e que o Maracanã está aberto. Amigos, outro aspecto considerável de nossa vida futebolística: o estádio vazio deprime a cidade. É preciso, para a nossa alegria, que ele esteja cheio e vibrando. Gostamos quando o Maracanã transborda e há gente pendurada até no lustre."
ResponderExcluirBem adequada para o penúltimo texto.
"Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar."
Perfeito. E muitos não pensam mesmo. Ex.: o fazer pouco da Copa Rio para exaltar a "gloriosa" Copa Toyota. Para essa massa adepta da unanimidade a Copa Rio não é nada e a Copa Toyota é tudo. E por que? Porque é, ora bolas. Dane-se que a Copa Toyota é só um jogo e a Copa Rio é todo um campeonato. Dane-se que os europeus não ligavam para a Copa Toyota. Dane-se que em um só duelo o peso da sorte é muito maior que em todo um campeonato! Para a unanimidade a razão não é nada. A unanimidade, para os unânimes, é por si só tese, argumento e conclusão.
"A imparcialidade só merece a nossa gargalhada."
Mais uma vez perfeito. O que merece a imparcialidade de Renato Maurício Prado, por exemplo, que se proclama imparcial?
A coleção de frases geniais de Nelson Rodrigues é talvez a maior que um ser humano já produziu.
ResponderExcluirHumano?!
ResponderExcluirAtendo ao pedido, pois Castilho e Veludo não poderão atuar, nosso Nelson acaba de convocar o Felix.
ResponderExcluirAté um dia, Papel!
ST
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