Terminados os Jogos Olímpicos de 2012, disputados em Londres, o Brasil obteve 17 medalhas, 3 de ouro, 5 de prata e 9 de bronze. No quadro de medalhas, ocupamos a 22ª posição. Seria este o desempenho esperado de uma nação tão grande quanto o Brasil?
Analisando os quadros das últimas edições dos Jogos, observa-se a existência de 10 potências olímpicas atuais: Estados Unidos, China, Grã-Bretanha, Rússia, Coreia do Sul, Alemanha, França, Itália, Austrália e Japão. Invariavelmente, à exceção de um penetra ou outro, são esses os 10 países que dominam o quadro de medalhas. O que estas 10 nações têm de especial?
Respondo: todas elas, sem exceção, estão entre as 15 maiores economias do planeta (os 5 países que têm grandes economias mas não são potências olímpicas são Brasil, Canadá, Índia, Espanha e México). O Brasil é a única entre as 9 maiores economias do mundo a não figurar entre as potências olímpicas. Esta comparação deixa bastante claro que, do ponto de vista econômico, o Brasil deveria ser uma potência olímpica.
O outro fator presente na maioria das potências olímpicas é uma população numerosa. Das 10 nações mais bem sucedidas nas Olimpíadas, apenas a Austrália não está entre as 30 maiores populações do planeta. A correlação é facilmente explicada: quanto mais habitantes, mais praticantes de esporte, e mais talentos olímpicos em potencial. O Brasil tem a quinta maior população do mundo, atrás apenas de China, Índia, Estados Unidos e Indonésia. Temos mais que o dobro das populações de 6 potências olímpicas (Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Coreia do Sul e Austrália). Do ponto de vista do tamanho da população, portanto, o Brasil deveria ser uma potência olímpica. Poderia ser até uma superpotência, na hipótese de levarmos em conta apenas este fator.
Se o Brasil preenche os dois principais pré-requisitos para ser uma potência olímpica, por quê, então, não é uma?
Toda medalha é fruto de vários fatores, dentre os quais destaco quatro: sorte, talento, investimento e trabalho. A sorte não pode ser controlada, é a bola que entra ou sai por um centímetro e muitas vezes determina o resultado de um jogo. Os talentos, o Brasil tem, em potencial, conforme demonstrado acima, no parágrafo sobre a população. Nosso erro, portanto, só pode estar nos outros dois fatores: investimento e trabalho.
Muitos atletas brasileiros em Londres foram criticados por "amarelar", não conseguindo medalhas. Mas a culpa é mesmo deles? Respondo: na maioria dos casos, não. Vejam o caso de Maurren Maggi, do salto em distância. Campeã quatro anos antes em Pequim, Maurren chegou a Londres já longe de sua forma física ideal, com 36 anos, idade avançada para uma atleta de altíssimo nível como ela. Ficamos sem medalha na modalidade por culpa de Maurren? Ou por culpa de quem não possibilitou que surgisse um novo talento que pudesse substituí-la?
"Ah, dessa vez investiram milhões e não houve evolução" - chiaram vários jornalistas nos últimos dias. Ao que respondo: o investimento ainda é pouco, e pior: é feito de maneira errada.
Por aqui, governantes, empresários e clubes acham que investir no esporte é escolher uma estrela e pagar-lhe um gordo patrocínio. Foi o que o Flamengo fez com César Cielo, o que o Fluminense fez com Natália Falavigna, o que o Corinthians fez com Thiago Pereira, o que Eike Batista fez no vôlei. Nada contra estes atletas heróicos, que fizeram por merecer tudo que conquistaram. Tudo contra este modelo que só investe no atleta já consagrado, praticamente ignorando os atletas da base, ainda em formação.
Nas nossas escolas - públicas e privadas - as aulas de Educação Física são quase sempre meras recreações, nas quais não se ensina nem o básico de nenhum esporte (exceto o futebol). O talento em potencial muitas vezes nem chega a ser apresentado ao esporte que poderia se tornar sua profissão. (E isto não é só no esporte: especialmente nas escolas públicas, nem mesmo as disciplinas de sala de aula - Matemática, Português, Ciências, etc - são ensinadas adequadamente. Os problemas da Educação básica brasileira são tão graves que poderiam render muitos outros textos - a Educação Física é apenas parte do problema.)
Para observar como os investimentos brasileiros no esporte são mal direcionados, vejamos os exemplos de alguns medalhistas em Londres. O caso dos irmãos Esquiva e Yamaguchi Falcão, do boxe, por exemplo: o pai deles afirmou em entrevista que "o orelhão da rua não parou de tocar durante a semana". É isso mesmo: uma família com dois medalhistas olímpicos não tem nem telefone em casa. Conclui-se o óbvio: as duas medalhas dos irmãos boxeadores não foram consequência de investimento público ou privado no esporte; foram fruto quase exclusivo do suor e do trabalho deles e de seus treinadores. Outro exemplo? Nosso campeão da ginástica Arthur Zanetti, que só chegou ao nível máximo do esporte graças à dedicação e ao incentivo financeiro do próprio pai.
Acho que já deixei meu ponto claro: o Brasil investe pouco e errado no esporte, e o trabalho para o surgimento de novos talentos é praticamente nulo.
Em 2016, provavelmente teremos nosso maior rendimento em todos os tempos, porque seremos o país-sede (sim, isto costuma fazer uma diferença enorme: todos os países-sede recentes melhoraram substancialmente seus desempenhos). Mas que fique claro: se as coisas continuarem como estão, nos Jogos de 2020 o Brasil voltará a ser o fiasco olímpico que tem sido até hoje.
PC
Brilhante, PC!
ResponderExcluirO Brasil tem condição de estar entre os maiores em todas as Olimpíadas. Não por causa do Governo ou esses 'investidores', mas pelo seu povo, que adora esportes e tem uma gana, uma força de vontade enorme.
Esses investimentos tem que começar na base, nas escolas, com a garotada. Incentivos. Menos roubo e mais investimentos. ´
Eu diria que estamos progredindo, mas se corrupção fosse modalidade olímpica, levaríamos as três medalhas! Chega de desvio de verbas, vamos investir em ensino, em esportes!
ST
concordo plenamente. principalmente quando vc falou do esporte nas escolas. em todas essas potencias olimpicas, as escolas são em tempo integral e nestas, os alunos praticam algum tipo de atividade esportiva.
ResponderExcluirST
Complementando sobre as escolas...
ResponderExcluirNão é preciso ter esporte voltado ao rendimento nas escolas - tipo, treinamento exaustivo e competições duras, coisa do tipo - e sim um contato da crianças e adolescentes com os mais diversos tipos de esporte, tendo assim os seus professores a chance de identificar um talento e, se for o caso, encaminha-lo para um centro de excelência em tal esporte mais próximo.
Assim a escola não precisaria ter estrutura para formar campeões, só precisaria de estrutura para identifica-los.
Aliás, isso se aplica a outras áreas como cultura e ciência, os alunos deveriam ser incentivados a ter atividades extra-curriculares do seu gosto e experimentar um pouco das demais. Exemplo: eu quero fazer música este ano na escola, mas mesmo assim eu continuo tendo alguma carga de esporte e ciência.
Enfim,
ST
Brilhante texto!
ResponderExcluirTalvez o melhor de análise que você tenha escrito.
Deveria ser lido pelo ministro Aldo Rebelo, que acha que é só injetar bilhões em quatro anos que o número de medalhas vai ser 67% maior na próxima Olimpíada. Esse simplismo mata o país.
Já posso ver o governo se gabando (ignorando o fator casa) após as Olimpíadas do Rio. "O investimento dos últimos oito anos fez a diferença!".
O investimento no atleta já pronto é melhor do que nada, meio que diz tu vai morder o osso, mas terá algum apoio quando for atleta de elite, mas isso é bem pouco e menos eficiente que criar uma cultura esportiva na país.
ResponderExcluirObrigado pelos elogios e pelos comentários.
ResponderExcluirConcordo com vocês sobre o esporte nas escolas. É lá que o Brasil começa a fracassar nas Olimpíadas.
Sobre Aldo Rebelo e o governo, tenho certeza de que tentarão se aproveitar politicamente do sucesso em 2016.
Aliás, já estão usando os medalhistas de 2008 e 2012 nesse sentido. Na vinda da bandeira olímpica, já vi poses com o Scheidt, a Maggi e os irmãos Falcão. Triste...
Sou professor e não concordo totalmente com o que você falou sobre a educação pública. Ao menos no primeiro segmento, o trabalho feito não é ruim. O difícil para os professores é controlar a falta de educação dos alunos, que muitas vezes não foram preparados para se portar numa escola, tampouco recebem educação de berço. Os pais estão produzindo em seus filhos estudantes péssimos, que formam turmas péssimas, e por sua vez, não apreendem o conteúdo da forma adequada. Todos só criticam os professores ou a estrutura da escola porque é difícil criticar os pais. E esse é o porém: querem resolver o problema macro com medidas micro.
ResponderExcluirProfessor Aloisio,
ResponderExcluirSou filho de professores da rede pública, e entendo também que algumas famílias brasileiras falham na educação de seus filhos.
No entanto, isso não apaga as (enormes) falhas do sistema de ensino básico brasileiro.
Os alunos chegam ao Ensino Médio com carências ABSURDAS, praticamente analfabetos funcionais. E isso não acontece em uma ou outra escola: é um mal praticamente generalizado. Poucas escolas públicas fazem exceção.
A situação é tão grave que eu defendo uma revolução.
Obrigado por seu comentário.
PC
Pois é pessoal estamos em 2016, sediando as olimpíadas e continuamos com poucas medalhas nas olimpíadas. Nem o fator casa ajudou.
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