Rio de Janeiro, 7 de julho de 1912.
Em 1911, o Fluminense levantara seu quinto campeonato carioca, vencendo todos os jogos do certame. Infelizmente, a campanha avassaladora despertou vaidades colossais entre os jogadores, e ocorreu então a cisão. Nove dos onze titulares campeões resolveram abandonar o clube, para fundar o departamento de futebol do Clube de Regatas do Flamengo. Apenas dois titulares permaneceram fiéis ao Tricolor: Oswaldo Gomes e James Calvert.
Sobre o episódio, Nelson Rodrigues escreveu, décadas mais tarde: "Eu gostaria de saber que gesto, ou palavra, ou ódio deflagrou a crise. Imagino bate-bocas homicidas. E não sei quantos Tricolores saíram para fundar o Flamengo. Hoje, nos grandes jogos, o Estádio Mário Filho é inundado pela multidão rubro-negra. O Flamengo tornou-se uma força da natureza e, repito, o Flamengo venta, chove, troveja, relampeja. Eis o que eu pergunto: - Os gatos pingados que se reuniram numa salinha imaginavam as potencialidades que estavam liberando? Há um parentesco óbvio entre o Fluminense e o Flamengo. E como este se gerou no ressentimento, eu diria que os dois são os irmãos Karamazov do futebol brasileiro."
Então chegara o dia do primeiro clássico: a clara tarde de 7 de julho de 1912. Todos esperavam um massacre do Flamengo sobre o Fluminense no campo de Laranjeiras. Afinal, era praticamente um duelo dos titulares campeões do ano anterior, contra os seus reservas. À equipe do Flamengo, por todas as razões, se impunha a sua vitória. [4]
As campanhas das equipes também justificavam o favoritismo rubro-negro. O Flamengo aplicara três sonoros banhos de bola: 16 a 2 no Mangueira, 6 a 3 no América e 7 a 4 no Bangu. Perdera apenas para o Paysandu, por 2 a 1. Já o Fluminense tropeçava, ainda golpeado pela cisão: derrotas de 2 a 1 para o Rio Cricket, e 5 a 0 para o Paysandu; uma vitória sobre o São Cristóvão (1 a 0); e um empate com o América (0 a 0).
O jogo começa e, já no primeiro minuto, acontece o momento sublime: Edward Calvert abre o placar para o Fluminense. Era o primeiro gol da história do Fla-Flu, que na época nem se chamava Fla-Flu ainda (o apelido perfeito seria criado pelo jornalista Mário Filho, décadas depois).
Logo em seguida, o Flamengo empatou, deixando o clássico eletrizante. Ali já estava a essência do Fla-Flu, em que cada minuto é melhor que o minuto que passou. E os minutos passavam, passavam, passavam, num ritmo ao mesmo tempo devagar e alucinante, como só acontece nos jogos entre Fluminense e Flamengo.
Aos 17 minutos do segundo tempo, a falta na entrada da área do Flamengo era a chance para o Fluminense. James Calvert, um dos dois heróis que resolveram ficar no Fluminense, cobra sem força, mas o goleiro Baena aceita. Era o primeiro frango homérico do Fla-Flu.
A meia-hora seguinte transcorreu da seguinte maneira: lentamente para os tricolores, rapidamente para os rubro-negros. Cada segundo que se escoava deixava o Fluminense mais perto do épico triunfo, e o Flamengo mais perto da humilhante derrota para os ex-reservas.
O rubro-negro lançou-se todo para a frente e, a dois minutos do fim, conseguiu o milagre do empate. Parecia então definido que o primeiro Fla-Flu de todos os tempos terminaria empatado.
Mas... abençoado seja o Fla-Flu, das emoções modificadas, em que cada minuto fica melhor que o minuto que passou. No último lance do match, acontece o lance que ficará para sempre na história. James Calvert penetra rapidamente pela esquerda, e cruza forte e rasteiro. Bartholomeu aparece na área e fuzila Baena: gol do Fluminense! Era a vitória, a doce e santa vitória! No último minuto, da melhor forma possível, o Fluminense vencia o Flamengo pela primeira vez.
Amigos, aquele foi um dos jogos mais importantes da história do Fluminense. Se o Flamengo tivesse vencido, a rivalidade morreria ali, de estalo. O Rubro-Negro, com os ex-titulares do Fluminense, herdaria as glórias do Tricolor, que seria apenas mais um clube na cidade. Mas o Fluminense venceu, e desde então cada Fla-Flu pára a cidade, o estado, e o país inteiro. A vitória tricolor gravou-se na carne e na alma flamengas. [6]
Os tricolores celebraram o triunfo como se este fosse um campeonato inteiro. Para os flamenguistas, a derrota realmente foi um campeonato inteiro: aqueles dois pontos perdidos lhes custariam o troféu, que foi para o Paysandu.
Eis a escalação de heróis: Laport; Luiz Maia e José Bello; Pernambuco, Mutzembecker e João Leal; Oswaldo Gomes, Bartholomeu, Berhmann, Edward Calvert e James Calvert. Estes onze homens salvaram a história do Fluminense Football Club. Eles obtiveram a vitória que jamais poderá ser vingada.
Desde então, Fluminense e Flamengo quebram lanças em batalhas sensacionais. A cada vez que entram em campo, é como se fosse naquela clara tarde de 7 de julho de 1912.
PC
Ficha técnica: Fluminense 3 x 2 Flamengo.
Campeonato Carioca de 1912.
Data: 07/07/1912.
Local: Laranjeiras.
Fluminense: Laport; Luiz Maia e José Bello; Pernambuco, Mutzembecker e João Leal; Oswaldo Gomes, Bartholomeu, Berhmann, Edward Calvert e James Calvert. Técnico: Charles Williams.
Flamengo: Baena; Píndaro e Nery; Cintra, Gilberto e Galo; Baiano, Arnaldo, Borgerth, Gustavo e Amarante. Técnico: Ground Commitee.
Árbitro: Frank Robinson.
Gols: Edward Calvert, James Calvert e Bartholomeu para o Fluminense; e Arnaldo e Píndaro para o Flamengo.
Ah, O Primeiro Clássico
(crônica de Nelson Rodrigues sobre a partida)
Eu estou imaginando o campo, as duas torcidas e os times. Mas para visualizar a partida temos de inseri-la no velho Rio, o Rio machadiano, o Rio que era uma abundante paisagem de gordas.
Na "belle époque", as mulheres iam para o futebol como se fossem para uma recepção no Itamarati. E elas demaiavam, vejam vocês, ainda tinham ataques. De vez em quando, faço a mim mesmo esta pergunta: - "Há quanto tempo não vejo uma mulher com ataque?" Elas matam e se matam, elas se atiram do sétimo andar, elas devoram um tubo de comprimidos. Mas não têm ataques, nem desmaiam. Ah, naquele tempo era lindo "ser histérica". E no futebol, quando entrava um gol, as mulheres desfaleciam, pareciam morrer em estertores. Os homens achavam sublime.
O primeiro Fla-Flu não era Fla-Flu. Só muito mais tarde é que Mário Filho inventou e promoveu a abreviação. O Flamengo fez tudo, tudo para ganhar este primeiro jogo. Outro dia, conversei com um velho torcedor, mais velho que o século. E ele, falando fino e baixinho (como uma criança que baixa num tenda espírita), contou o que foi o nascimento do maior clássico do futebol brasileiro. O Flamengo era o time campeão do Fluminense, sem Oswaldo Gomes.
Parece que na partida o futebol era um detalhe irrelevante ou mesmo nulo. Os dois times davam a sensação de que jogavam de navalha na liga. E, no entanto, houve um cínico e deslavado milagre: - ninguém saiu de maca, ninguém saiu de rabecão. Mas nunca se vira, em campo de futebol, ferocidade tamanha. E o Fluminense venceu.
Vejam como, histórica e psicologicamente, esse primeiro resultado seria decisivo. Se o FIamengo tivesse ganho, a rivalidade morreria, ali, de estalo. Mas a vitória tricolor gravou-se na carne e na alma flamengas.
E sempre que os dois se encontram, é como se o fizessem pela primeira vez.
Fontes:
[4] Jornal "O Paiz", de 07/07/1912.
[6] Crônica "Ah, o Primeiro Clássico", de Nelson Rodrigues.
Fla x Flu é Fla x Flu, não importa o local não importa os times, so oque importa e quem vai sair vencedor
ResponderExcluirE nascia a maior rivalidade de todos os tempos...com a santa vitória Tricolor!!!
ResponderExcluirBlog do Carlos Ferreira.
ResponderExcluirO Fluminense sempre foi um Time de Guerreiros!
ResponderExcluirSem dúvida, Cláudio.
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