Com a conclusão do Ministério Público de São Paulo, de que funcionários da Portuguesa foram subornados para que Heverton fosse escalado mesmo estando suspenso, ganharam corpo nas redes sociais acusações de que o corruptor da Lusa seria o Fluminense, ou sua patrocinadora Unimed.
O famoso Blog do Paulinho, um dos mais acessados da internet brasileira, dá força a essa teoria, com relatos de supostos encontros entre dirigentes da Portuguesa e da Unimed. Acontece que o meu xará paulista não tem lá muito cuidado para apurar os fatos antes de publicá-los (se o leitor duvida, é aconselhado a ler
este hilário relato em que ele foi ridiculamente enganado por uma suposta fonte). Então, não dá para levar o sujeito a sério.
Antes de continuar, esclareço aos leitores que não me conhecem: sou ferrenho opositor à atual diretoria do Fluminense, diversas vezes criticada aqui no Jornalheiros, de forma veemente, como podem comprovar as postagens dos últimos três anos (
exemplo). Então, acreditem: se houver evidências de que o meu Fluminense está envolvido em qualquer esquema de corrupção, serei um dos primeiros a atirar todas as pedras e exigir explicações. Não tenho absolutamente nenhum compromisso com os dirigentes do Fluminense, e não hesitaria em atacá-los ferozmente.
Acontece que esta tese de que
"o Fluminense comprou a Portuguesa" simplesmente não sobrevive a uma análise racional da situação. Vamos aos fatos? Ao fim da 37ª e penúltima rodada, a classificação da parte de baixo do Campeonato Brasileiro era a seguinte (
confiram aqui):
11º) Flamengo - 48.
12º) Bahia - 48.
13º) Portuguesa - 47.
14º) Internacional - 47.
15º) Criciúma - 46.
16º) Coritiba - 45.
17º) Vasco - 44.
18º) Fluminense - 43.
19º) Ponte Preta - 36.
20º) Náutico - 17.
Como quatro equipes são rebaixadas, vê-se que a situação do Fluminense era desesperadora. O Criciúma, 15º lugar com 46 pontos, já estava inalcançável, por ter mais vitórias que o Fluminense (o primeiro critério de desempate). Então, os torcedores tricolores agarravam-se a um fio de esperança, uma combinação de três resultados, todos obrigatórios: o Fluminense precisava vencer o Bahia, e torcer para que o Vasco não vencesse o Atlético Paranaense e o Coritiba não vencesse o São Paulo. Uma situação bastante complicada, tendo em vista o futebol ridículo demonstrado durante o ano, a dificuldade de jogar contra o Bahia na Fonte Nova, e o fato de o São Paulo não ter mais objetivos no Campeonato.
Neste cenário, não tenho dúvidas de que se cogitou mesmo gastar dinheiro pagando outros times, para aumentar a probabilidade de permanecer na Primeira Divisão. Mas pense bem: se você tivesse dinheiro à disposição para isso, preferiria usá-lo de que forma? Você - gastando mais e agindo de forma ilegal - subornaria a Portuguesa? Ou você - gastando menos e agindo de forma legal - pagaria um incentivo extra para o São Paulo contra o Coritiba, e para o Atlético Paranaense contra o Vasco? Nem preciso responder, preciso? (A propósito: a chamada "mala branca" é absolutamente legal, acontece todo ano, e eu não vejo nada de anti-ético nela -
vide post meu de 2010 sobre o assunto.)
Analisemos outro aspecto da situação: a única forma de o Fluminense ultrapassar a Portuguesa seria esta escalar um atleta suspenso, e perder assim três pontos, além dos conquistados na rodada. (Isto, claro, contando com uma vitória do Fluminense sobre o Bahia, que não estava garantida.) Até a noite da sexta-feira 06/12, a Portuguesa só tinha um atleta suspenso: Bruno Henrique, por sequência de cartões amarelos. Somente na noite da sexta-feira 06/12, é que a polêmica suspensão de Heverton passou a existir, com o julgamento do STJD. Em suma: toda a operação de "compra" da escalação de Heverton teria que acontecer entre a noite de sexta-feira e a tarde de domingo. OK, o pouco tempo disponível talvez não impedisse a ação de malfeitores, mas é uma dificuldade a mais a ser superada.
Querem mais? Ora, o jogo do Flamengo aconteceu no sábado 07/12, e o rubro-negro escalou deliberadamente o também suspenso André Santos, fato que foi percebido por diversos torcedores nas redes sociais (embora tenha sido tristemente ignorado pela imprensa esportiva, mesmo pelos órgãos que publicaram a notícia da suspensão na véspera). Então pergunto: por quê o Fluminense pagaria a Lusa para escalar um jogador suspenso, se o Flamengo já havia feito a burrada no sábado, e seria igualmente ultrapassado em caso de vitória tricolor sobre o Bahia? Simplesmente não fazia mais sentido pagar a Portuguesa! (Pelo menos não para o Fluminense...)
Passemos à análise do comportamento dos dirigentes da Portuguesa após o estouro do escândalo, na terça-feira 10. O então presidente do clube paulista, Manuel da Lupa, partiu para ataques ferozes ao Fluminense, na mídia e no tribunal (
exemplo). Ora, não é estranho que o "comprado" ataque tão veementemente o "comprador"? Com um agravante: em nenhum momento, os dirigentes da Lusa atacaram o Flamengo - clube que mais se beneficiou da punição à Lusa, conforme fica evidente na
tabela de classificação corrigida após os julgamentos.
(Aliás, já que estamos aqui falando de relações escusas entre clubes adversários em um mesmo certame, acho que vale relembrar um episódio lamentável deste Campeonato Brasileiro de 2013. Na 31ª rodada, a Portuguesa tinha o mando de campo para enfrentar o Flamengo, mas o jogo não foi em São Paulo. Acreditem: mesmo brigando contra o descenso, a corajosa direção da Portuguesa decidiu mandar o jogo, contra um rival direto na mesma luta, na distante Fortaleza, com torcida quase exclusiva do adversário. Uma evidente inversão de mando de campo, que prejudica de forma escancarada o princípio da isonomia entre os 20 participantes do Campeonato.)
Ainda cabe lembrar mais duas "trocas de carinho" entre Portuguesa e Flamengo:
Resumindo: a tese de que o Fluminense "comprou" a Portuguesa não faz quase nenhum sentido, tendo em vista que:
1) havia uma alternativa mais barata e eficaz, e absolutamente legal - pagar "malas brancas" para os adversários de Coritiba e Vasco na rodada final;
2) houve pouco tempo para a suposta operação, entre a suspensão de Heverton (na sexta-feira à noite) e a rodada (no domingo à tarde);
3) depois de o Flamengo cometer o erro da escalação de André Santos no sábado, não havia mais a necessidade de "forçar" a Portuguesa a se auto-flagelar, uma vez que, se o Fluminense vencesse, já ultrapassaria o rival rubro-negro e escaparia do rebaixamento;
4) após o estouro do escândalo, os dirigentes da Portuguesa atacaram violentamente o Fluminense, em conduta que não se espera a respeito de um "parceiro de negócios"; e, além disso, pouparam o outro clube beneficiado por seu "descuido" - clube com o qual, aparentemente, a Lusa mantém excelente relação, tendo inclusive lhe vendido um mando de campo semanas antes.
Por fim, chamo a atenção para a enorme coincidência que é dois clubes cometerem o mesmo erro infantil na mesma rodada. A probabilidade de os dois casos serem independentes entre si é ínfima, para não dizer nula (vide post
O erro da Portuguesa - Uma abordagem estatística).
Que o Ministério Público de São Paulo continue a investigação do caso. Que os clubes e dirigentes envolvidos na maracutaia sejam exemplarmente punidos. Que o Fluminense e a Unimed processem todos os que os caluniaram nas últimas semanas.
Por enquanto, é só.