(texto de
Roberto Vieira, publicado originalmente no
Blog do Juca)
Véspera de Natal.
O treinador Betinho olhou pro menino raquítico e gritou:
"Vai-te embora, moleque! Tu é muito perna-de-pau!"
O pequeno Rivaldo pegou sua chuteira velha.
Seu meião rasgado nos dedos.
E foi assim sem jeito de volta pra casa no Jardim Paulista.
Dona Marluce vê o filho chorando e fala pro pai.
O pai encontra o filho num canto da casa.
"Pai, eu não sei jogar futebol!"
O pai enxuga os olhos do filho e pergunta:
"Quem te disse isso? O tal de Betinho?"
Rivaldo observa os olhos do pai úmidos.
"Não ouça o que eles falam, meu filho! Teu destino é fazer gol!"
E voltam pra sala humilde onde brilha uma árvore de Natal.
É hora de comer o frango com farofa de Dona Marluce.
Dias depois Rivaldo segue com as chuteiras e o meião.
Nos braços do pai chega ao Paulistano.
O primeiro jogo dos meninos do Paulistano é contra o Santa Cruz.
Rivaldo está escalado.
Ante o olhar incrédulo de Betinho.
Rivaldo marca uma, duas, três vezes.
Suas pernas tortas equilibrando-se nas chuteiras velhas.
As bolas balançando as redes tricolores.
O olheiro Zé Custódio se vira pra Betinho:
"Tu endoidou? Mandar esse moleque embora?"
Rivaldo volta para o Santa Cruz.
O pai morre num desastre de trânsito.
Rivaldo chora novamente.
Uma dor infinita.
Muito maior que a dor de não saber jogar.
O Santa Cruz manda Rivaldo pro Mogi-Mirim.
Porque a torcida e a diretoria têm certeza que Rivaldo não sabe jogar.
Dona Marluce vê o filho chorando.
"Ta com medo, Rivaldo?"
Rivaldo olha o tempo e sussurra no ouvido da mãe:
"Estava sonhando com o pai..."
Rivaldo sai fazendo gol pela vida.
Gols tortos, gauches, estranhos, metafísicos.
Gols de bicicleta.
Gols do meio campo.
Gols de pernas tortas e sorriso tímido.
Gols aprendidos no velho campo dos Eucaliptos.
Gols de Maria Farinha.
Gols do tamanho do Camp Nou.
Do tamanho de uma Copa do Mundo.
Todos os gols.
Dedicados aos olhos úmidos de um pai.
"Não ouça o que eles falam, meu filho! Teu destino é fazer gol!"