sexta-feira, 5 de junho de 2009

Recordar é viver - Botafogo 5, Flamengo 3

Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1948.

Antepenúltima rodada do segundo turno do Campeonato Carioca. O Botafogo estava em uma temporada avassaladora: de 17 jogos, havia vencido 14, empatado 2, e perdido apenas 1 (na estréia do certame, 4 a 0 para o São Cristóvão). Apenas o Vasco conseguia fazer sombra, mas era pouco provável que conseguisse tirar o caneco do clube da Estrela Solitária.

O estádio de General Severiano recebia um público formidável para o clássico do Botafogo contra o Flamengo. Ah, o campo pequeno - aconchegante e cálido como um galinheiro! Eu queria ter vivenciado os clássicos jogados nessas minúsculas arenas! Confesso que cultivo uma nostalgia desses tempos que eu não vivi.

Desde 1944, após o famoso Jogo do Senta, a rivalidade entre alvinegros e rubro-negros se acentuara bastante. Após o episódio, em cada clássico ocorre uma batalha gigantesca: os jogadores de ambos os times entram em campo dispostos a quebrar lanças, decididos a vencer ou perecer.

O Maracanã ainda não existia, o escrete nem havia chegado a uma final de Copa, mas se engana quem pensa que o futebol brasileiro não era valioso. Sofríamos com o complexo de vira-latas, mas já éramos os melhores do mundo. Basta examinar as escalações de Flamengo e Botafogo, naquela primavera de 48. O rubro-negro: Luiz Borracha; Newton e Norival; Biguá, Bria e Jaime; Luizinho, Zizinho, Gringo, Jair da Rosa Pinto, e Durval. O alvinegro: Osvaldo; Gerson e Nilton Santos; Rubinho, Avila e Juvenal; Paraguaio, Geninho, Pirilo, Otávio e Braguinha. Os cinco atacantes do Botafogo são os personagens da foto que ilustra este texto. O árbitro da peleja era o inglês Mr. Devis. Ninguém melhor que um inglês para apitar um clássico do esporte bretão.

O líder e mandante Botafogo começou apático, sem o élan característico das grandes vitórias. E assim os primeiros quarenta e cinco minutos foram dominados pelo Flamengo. Zizinho e Jair tabelaram, e o tempo parou. Zizinho e Jair são duas lendas do esporte mundial, de modo que até o tempo pára de correr, a fim de reverenciá-los. Quando os segundos voltaram a passar, a bola já estava com Gringo, que a passou para Durval. Com um chute feérico, ele marcou o primeiro gol: Flamengo 1 a 0. Poucos minutos depois, novamente Zizinho e Jair tabelaram, e mais uma vez o tempo parou. Gringo recebeu a pelota e mandou para as redes: Flamengo 2 a 0. Os locutores bradavam, eufóricos: "este é o Flamengo do tricampeonato!". Todos conheciam o poder do Botafogo, mas o placar adverso de 2 a 0, no intervalo, dava poucas esperanças aos alvinegros.

Mas o Botafogo voltou para o segundo tempo disposto a fazer história. A fantástica atuação alvinegra neste segundo tempo foi uma das melhores exibições da história do futebol. Logo no início, Paraguaio penetrou furiosamente, driblou Luiz Borracha e tocou para o gol: 2 a 1. Um gol de pura garra, de puro ímpeto, de puro élan, e a Estrela Solitária voltava a brilhar, sonhando com a virada.

Então, veio a jogada que poderia ter enterrado a reação do Botafogo. O goleiro Osvaldo repôs a bola nos pés de Gringo, que devolveu de primeira, com um petardo do meio-de-campo. O arqueiro ainda voltava para a sua meta, de costas para o campo. Torcedores e jogadores do Botafogo gritaram desesperados, advertindo Osvaldo. No desespero, ele correu, pulou e se abraçou com a bola, mas caiu dentro de sua própria meta. Há coisas que só acontecem com o Botafogo. Flamengo 3 a 1.

Gringo ainda fez 4 a 1 para o Flamengo, mas o bandeirinha anulou o gol, alegando impedimento. E então começou a maior virada da história do Botafogo: Otávio, 3 a 2 Flamengo. Braguinha, 3 a 3. Pirilo, 4 a 3 Botafogo. Paraguaio, 5 a 3 Botafogo. Do caos do 3 a 1 à glória do 5 a 3: eis a trajetória alvinegra neste jogo imortal.

Assim, o que se anunciava como uma grande vitória rubro-negra acabou se transfigurando num dramático triunfo alvinegro. Todo torcedor do Botafogo deveria cultuar esta linha de astros que defendiam tão bravamente a Estrela Solitária. Um dos zagueiros daquele time heróico - o garoto Nilton Santos - acabaria se tornando um dos três maiores ídolos da história do Glorioso.

Nos dias de hoje, Botafogo e Flamengo se enfrentam quase sempre no gigante Estádio Mário Filho. Porém, toda vez que adentram o gramado, é como se o fizessem naquele cálido campo pequeno de General Severiano. E então, durante 90 minutos, Zizinho, Jair, Nilton, Pirilo e os outros revivem seus áureos tempos. Eternamente e para sempre.

PC

(crédito da foto: Globo Sportivo)

3 comentários:

  1. Os jogos dessa época deviam ser mesmo sensacionais, times jogando de 2-3-5 cheios de jogadores talentosos, sem medo de atacar!!!

    É uma pena que nossa medíocre imprensa não relembre os jogos dessa época e, com isso, condene as gerações mais novas a mais completa ignorância acerca da história do nosso futebol.

    99% do pessoal da minha idade (nascidos a partir da segunda metade dos anos 80) sabe pouquíssimo sobre qq coisa anterior aos anos 80 e acha que tradição é ganhar Libertadores.
    O Inter, que era comumente considerado time médio, hoje é chamado de time de muita tradição...e ainda acham isso a coisa mais normal do mundo...

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  2. 5 a 3 de virada não é um jogo de futebol, mas um espetáculo. Dá saudades mesmo.

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  3. Sobre o que o Ramón disse, estive pensando nisso ainda ontem, nos 2-3-5, 3-3-4...

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