Amigos, eu era adolescente quando li '1984', a obra-prima de George Orwell, que imediatamente entrou para a minha lista de melhores livros, em que segue ocupando uma das cinco primeiras posições até hoje. Não pretendo fazer aqui uma resenha do livro, que dispensa comentários e é uma daquelas leituras obrigatórias. Se você ainda não se dedicou àquelas páginas, sugiro que o faça o quanto antes. Afinal, os clássicos nunca são perda de tempo.
No mundo distópico de '1984', o personagem principal Winston Smith trabalha no Ministério da Verdade, cujo objetivo é justamente falsificar a história, reescrevendo-a sempre que o Partido desejar estabelecer uma nova versão dos fatos (qualquer semelhança com certas "comissões da verdade" vistas por aí não é mera coincidência). Por exemplo, se o Grande Irmão errou em alguma previsão feita, os funcionários do Ministério da Verdade deverão promover a adequação da história, apagando e reescrevendo registros e notícias do passado, de modo a tornar a previsão do Grande Irmão absolutamente precisa. Até mesmo pessoas podem ter suas existências canceladas, evaporando da história e tornando-se "impessoas" (a coleção de termos da "novilíngua" é um dos baratos do magnífico texto de George Orwell). O objetivo primordial do Ministério da Verdade é criar a certeza de que o Partido é infalível, eternamente correto em todas as suas diretrizes e ações.
No mundo real, em 2018, somos diariamente submetidos a discussões sobre as chamadas "fake news", notícias falsas fabricadas por pessoas e grupos mal-intencionados, que seriam capazes de construir e destruir reputações, de ganhar ou perder eleições, enfim, de enganar pessoas e modificar perturbadoramente a realidade. Que as "fake news" existem e são maléficas para a sociedade, é um fato, que não está em discussão aqui. No entanto, as soluções que se propõem para combatê-las podem ser um problema ainda maior. É este o tema destas linhas.
A responsabilização dos produtores e dos divulgadores das
"fake news", a tipificação destes crimes na legislação e a criação de instituições de averiguação são exemplos de propostas que surgem nos debates. Algumas ações concretas já estão sendo tomadas: o Facebook, diante de acusações de que a rede social teria sido utilizada para propagar
"fake news",
anunciou obscuras mudanças em seus algoritmos - muito provavelmente, estas alterações foram as responsáveis pelo
recente sumiço, na rede, de duas páginas de apoio a um candidato relevante à Presidência da República, com alcance estimado em vinte milhões de leitores diários.
E aqui aparecem os questionamentos éticos que quero fazer: quem estabelece o que é verdade e o que é mentira? Quem decide sobre a veracidade das notícias? Quem garante que as pessoas e instituições responsáveis por essa decisão agirão de maneira imparcial? Quem assegura que não haverá censura deliberada contra determinadas correntes de pensamento? Será instituído um Ministério da Verdade, nos moldes do imaginado por George Orwell em '1984'? Ou já foi, Facebook?
Os grandes veículos da imprensa brasileira propõem a conveniente solução
"só acreditem em nós". Querem ser, eles próprios, os patrões de Winston Smith, a manipular os fatos de acordo com seus interesses. Em resumo: não só não desejam solucionar o problema da sociedade, como também pretendem recuperar o controle da informação, monopólio que detinham até a popularização da internet. O curioso é que, na ótica de muita gente, os campeões das
"fake news" são justamente os grandes veículos (eu mesmo
desmascarei aqui uma notícia mentirosa repercutida por vários deles, no ano passado).
O século XX nos providenciou dezenas de exemplos dos males causados por governos totalitários e empresas monopolistas. O próprio George Orwell escreveu '1984' para nos alertar sobre perigos desta natureza. Caminharemos mesmo para o caminho do Ministério da Verdade? Não seria melhor garantirmos a liberdade de expressão, prevista nas leis nacionais e internacionais como um direito humano sagrado e inalienável? A liberdade, em sua superioridade teórica e prática, inevitavelmente triunfará sobre a mentira. Sou da crença de que a verdade sempre vencerá, sem a necessidade de ser imposta à força por mentes supostamente superiores.
PCFilho
1984 FOI UM ANO DE VERDADE!
ResponderExcluirDe resto, a Rede Globo continua mentindo.
1984 não foi nada terrível como as previsões de George Orwell.
ExcluirEm março, eu fui concebido. Em maio, o Fluminense foi campeão brasileiro. Em dezembro, eu nasci e o Fluminense foi bicampeão carioca. :)
Já 2018...
Muita coisa boa!
ExcluirBoa análise, PC. As fake news são um problema, mas não podem ser usadas como justificativa para censura.
ResponderExcluirObrigado. Concordo com sua frase.
ExcluirÓtimo texto. Profético.
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